sábado, 7 de outubro de 2017

Liquidez e Narratividade no Snapchat

RESUMO

Na era em que a liquidez é a grande marca das relações, as organizações não podem apenas ficar à mercê do fluxo de informações. Para tanto, compreender momento e adaptar-se ao momento é muito importante. O Snapchat surge, assim, como uma ferramenta eficaz no processo de aproximação com o consumidor. Este artigo apresenta formas eficazes pelas quais o aplicativo foi utilizado por grandes marcas, a fim de servir como fonte de inspiração às organizações.

Palavras-chave: Snapchat; Modernidade Líquida; Storytelling; Comunicação Estratégica.


Introdução
Efemeridade. Esta é uma das principais características dos tempos (pós/hiper) modernos[1]. Efêmero é, de acordo com o dicionário Priberam[2], a qualidade daquilo que dura apenas um dia. Temporário, breve, transitório, passageiro. A marca desta era líquida, como a nomeia Bauman (2000), dá mostras de como as relações constroem-se. Pois, nas palavras do autor, hoje a sociedade é marcada por essa transitoriedade. Para o sociólogo, o avanço tecnológico foi uma das grandes influências neste processo, assim como a modificação no estabelecimento de relações que as mídias sociais trouxeram. Essa transformação, contudo, não se restringiu a forma de se relacionar socialmente, mas também aos modos de consumir e trabalhar.
No âmbito do trabalho e das relações, principalmente, como escreve Bauman, houve uma flexibilização muito grande. Semelhantemente, à qualidade dos produtos que se consome, sejam afetivos ou corporativos, os laços não são feitos para durar. A noção de comprometimento, característica marcante de outros tempos, caiu em desuso. Hoje, pessoas não se comprometem mais do que aquilo que podem obter de volta. Assim, a partir do momento que não se sentem mais satisfeitas com a recíproca daquela relação, esta é abandonada e substituída por outra que se mostre mais “rentável” para si.
É neste ínterim que surge o Snapchat. Um aplicativo cujo cerne está na liquidez, seja das relações, dos conteúdos, da memória ou das formas de conversação. Fragmentada, transitória e temporária, a plataforma exige de quem a usa uma forma errática de conversar. Como o próprio Evan Spiegel, fundador e CEO da Snap Inc. afirma: “antigamente, fotos eram feitas para guardar memórias. Agora, são usadas para falar e, é por isso, que as pessoas estão tirando e enviando milhares de fotos no Snapchat todos os dias”[3]. Cabe às marcas, assim, adaptar-se às novas formas de discurso se quiserem correr junto com o consumidor que, por razões óbvias, não para de aumentar a velocidade do passo.

Snapchat: o aplicativo que já nasceu líquido
De acordo com Zygmunt Bauman (2000, p. 15), “a modernidade começa quando o espaço e o tempo são separados da prática da vida e entre si”. O sociólogo escreve que a busca pela liberdade foi um dos marcos que culminou nessa sociedade líquida. Numa visão futurística anterior a este tempo, George Orwell e Aldous Huxley previram, de acordo com Bauman, mundos bastante diferentes, mas que compartilhavam uma noção de controle opressivo. Estas visões, porém, refletiam apenas os medos da época: uma sociedade marcada pelo controle do Estado e suas instituições, como aponta o autor.
A transformação nesse paradigma ocorreu, todavia, quando o capital passou a ser leve – característica da globalização. Enquanto, no capitalismo pesado havia ordem e controle, no capitalismo leve descobre-se que:

[...] a cabine do piloto está vazia e que não há meio de extrair da “caixa preta” chamada piloto automático qualquer informação sobre para onde vai o avião, onde aterrissará, quem escolherá o aeroporto e sobre se existem regras que permitam que os passageiros contribuam para a segurança da chegada (BAUMAN, 2000, p. 70-71)

Desta forma, toda a lógica produtiva modifica-se. Uma vez que nem mesmo os passageiros desse avião sem piloto sabem para onde vão, sua busca por objetivos torna-se arbitrária aos aspectos de sua vida; isto é, os indivíduos passam a considerar outros fatores que não aqueles tradicionais (trabalho, família, etc) ao fazer escolhas sobre o futuro próximo. Neste sentido, é que Bauman (2000) defende que homens e mulheres não estão mais em busca de líderes, mas de exemplos. Ora, exemplos não são modelos ideais, mas apenas mostras de o que fazer e como fazer – uma espécie de DIY[4] da vida moderna. Por essa razão, a vida privada de gente pública torna-se tão interessante.
Tal noção do ser público, entretanto, não diz respeito apenas a celebridades da mídia tradicional e políticos, mas a qualquer um que, por algum motivo, ganhou notoriedade, como observa o sociólogo. Daí é que se pode compreender o surgimento das webcelebridades, subcelebridades e microcelebridades[5]. Essa busca ávida e constante por novos exemplos é o que retém o indivíduo naquilo a que Bauman (2000) chama de corrida.

O arquétipo dessa corrida particular em que cada membro de uma sociedade de consumo está correndo (tudo numa sociedade de consuma é uma questão de escolha, exceto a compulsão da escolha – a compulsão evolui até se tornar um vício e assim não é mais percebida como compulsão) é a atividade de comprar [...] O que quer que façamos e qualquer que seja o nome que atribuamos à nossa atividade, é como ir às compras. O código em que nossa “política de vida” está escrito deriva da pragmática do comprar (BAUMAN, 2000, p. 87)

Nesta corrida, algumas ferramentas apresentam-se como aceleradores do processo. A Internet, a globalização e a evolução tecnológica ampliaram esta nova lógica na qual a sociedade, cada vez mais, se insere. Se isso é bom ou ruim, apenas o tempo e a História, quando esta enfim estiver escrita, poderão dizer. O fato é que as marcas cada vez mais tem se apropriado destas novas possibilidades, a fim de não ficar em último lugar e acabar esquecidas por aqueles que sustentam sua existência, ou seja, os consumidores. Deste modo, é mais do que válido lançar mão de todas as ferramentas disponíveis para acompanhar a velocidade com que a sociedade muda.
Assim sendo, os indivíduos passam a utilizar o tempo como uma ferramenta a fim de encurtar distâncias espaciais e conquistar novos e, – por que não? – ermos lugares. Hoje, através de uma ferramenta online[6], o usuário pode realizar, por exemplo, a peregrinação a Santiago de Compostela[7]. O caminho pode ser percorrido integralmente pela Internet, possuindo inclusive relatos de “peregrinos” sobre sua experiência online. Logo, a Internet, por si só, configura-se como um meio líquido. Mais tarde, com a criação das mídias sociais, como explica Raquel Recuero (2009), há uma consolidação deste interesse da dissimulação espaço-tempo, ao passo que as plataformas de relacionamento fragmentam a vida social, possibilitando não só uma revolução no tempo, mas também a modificação do espaço de interação e das formas de conversação e interação entre os indivíduos.
Com isso, a vida online tornou-se cada vez mais significativa. Donos de suas histórias, os usuários usam as plataformas de relacionamento digital para criar narrativas controladas por meio da publicação selecionada de fotos, vídeos, informações, etc. Como detalha a jornalista e pesquisadora:

O surgimento da Internet proporcionou que as pessoas pudessem difundir as informações de forma mais rápida e mais interativa. Tal mudança criou novos fluxos e canais e, ao mesmo tempo, uma pluralidade de novas informações circulando nos grupos sociais. Juntamente com essa complexificação, o aparecimento de ferramentas de publicação pessoal, tais como weblogs, fotologs e, mesmo o YouTube, por exemplo, deu força e alcance para esses fluxos (Adar & Adamic, 2005), ampliando a característica de difusão das redes sociais. (RECUERO, 2009, pp.116)

Essa disponibilização de conteúdo sobre si é o que, ao longo do tempo, faz com que o usuário crie certa “identidade social”, ou seja, a forma como se apresenta e os demais indivíduos o percebem no mundo. Além de contribuir, também, para a criação e manutenção de laços sociais. Isto porque, como escreve a autora:

[...] a interação mediada pelo computador é também geradora e mantenedora de relações complexas e de tipos de valores que constroem e mantêm as redes sociais na Internet. Mas, mais do que isso, a interação mediada pelo computador é geradora de relações sociais que, por sua vez, vão gerar laços sociais (RECUERO, 2009, p. 36)

Neste sentido, a utilização de plataformas como o Facebook e, mais recentemente, o Instagram, principalmente, parecem criar uma versão “otimizada” do indivíduo, que mostra apenas o ‘lado bom’ da vida. As ferramentas, em si, contribuem para a construção do que se pode chamar um tipo de narrativa positivamente potencializada. Com filtros que prometem deixar os usuários mais atraentes e a ideia de utilização das plataformas como forma de registro da memória, seu uso cresceu bastante. Começa, porém, a diminuir junto ao público mais jovem. Uma pesquisa europeia, divulgada pelo jornal The Guardian, mostra que jovens entre 16 e 18 anos estão deixando o Facebook. De acordo com o estudo, a principal razão é o aumento dos usuários mais velhos na plataforma.
É a aí que o Snapchat aparece como grande receptáculo desse novo fluxo de usuários – ou melhor, como canal por onde a necessidade da comunicação liquefeita pode passar sem precisar tomar uma forma concreta. Uma plataforma de mensagens instantâneas voltada para smartphones e que pode ser usada para enviar texto, foto e vídeo. A diferença para outras mídias sociais é que todo material publicado no aplicativo é apagado após ser visualizado ou em um prazo máximo de 24 horas, do momento em que as atualizações são publicadas na história do usuário. Além de fotos e vídeos, o Snapchat também possui outros recursos, como o Lenses[8] e os Geofiltros[9].
Desenvolvido pelos estudantes Evan Spiegel, Bobby Murphy e Reggie Brown, da Universidade Stanford, a plataforma foi lançada em setembro de 2011 como um serviço disponível apenas para smartphones. O termo “snap” refere-se a algo que acontece de forma súbita, condizendo com o objetivo da ferramenta, que é promover um chat passageiro e que não deixe rastros, remetendo ao que afirma o filósofo Paul Ricoeur (2003) sobre memória e esquecimento:

O que a noção de rastro e esquecimento tem em comum é, antes de tudo o mais, a noção de apagamento, de destruição. Mas este processo inevitável de apagamento não esgota o problema do esquecimento. O esquecimento tem igualmente um polo ativo ligado ao processo de rememoração, essa busca para reencontrar as memórias perdidas, que, embora tornadas indisponíveis, não estão realmente desaparecidas. De certa forma, essa indisponibilidade encontra a sua explicação ao nível de conflitos inconscientes. A esse respeito, uma das lições preciosas da psicanálise é que esquecemos menos do que pensamos ou cremos. (RICOEUR, 2003, p.6)

Justamente devido a essa rapidez, foi nas escolas que o Snapchat decolou no início de 2012, nos Estados Unidos, com adolescentes aprendendo que o aplicativo seria melhor do que as demais mídias sociais para falar com as pessoas sem que o outro tivesse acesso. Em junho deste ano de 2016, o aplicativo ultrapassou o número de usuários ativos por dia do Twitter e possui 150 milhões de “clientes” no mundo. No Brasil, a plataforma chegou em meados de 2013, chegando a ocupar a lista dos cinco aplicativos mais baixados no iTunes brasileiro no mesmo ano. Mas, foi somente no início deste ano que a companhia abriu representação comercial no Brasil, tendo como primeiros investidores empresas como Unilever, McDonald’s, Visa, Pepsico e Sony. De acordo com a IMS[10], representante comercial escolhida pelo Snapchat, a plataforma já possui mais de nove milhões de pessoas que usam a ferramenta diariamente, colocando o Brasil como a terceira maior audiência do aplicativo no mundo.
A princípio, o aplicativo tornou-se popular para o envio de mensagens e imagens com conteúdo erótico, os famosos “nudes[11]. No entanto, após sua popularização, o Snapchat tem sido utilizado por organizações de todos os tipos para promover a interação com os respectivos públicos. Seu uso é bastante intuitivo, devido à interface amigável do sistema. Assim, logo que o usuário acessa o aplicativo, a tela para criação de “snaps” já está preparada. É possível aplicar filtros nas imagens, ou acrescentar ícones, desenhos e legenda, além de escolher a duração da atualização, que pode variar entre um e dez segundos. O usuário pode, então, optar por publicar o “snap” em sua história, enviá-lo como mensagem para um ou mais usuários, ou ainda apagar, caso não se sinta satisfeito.
Ao arrastar a interface principal para a esquerda, o usuário é apresentado a uma tela com três tópicos principais: Discover, Ao Vivo e Histórias. É este terceiro item que permite a visualização de todas as histórias criadas pelos contatos. Para conferir a história de um amigo, basta pressionar a foto dele na lista. Já a seção Discover dispõe de reportagens e matérias criativas que apresentam boa interatividade com os usuários. A aba foi criada para atender a demanda pelo storytelling. Logo, veículos de comunicação como CNN, National Geographic, ESPN e The Daily Mail tornaram-se editores de destaque na rede, fornecendo conteúdo em linguagem narrativa para os usuários do aplicativo.
Já o Ao Vivo (Live Story) trata-se de compilações de “snaps” de usuários em eventos e locais em todo o mundo. A aba tem curadoria da equipe do Snapchat e, normalmente, fica visível por 24 horas. Na prática, se estiver no local de um Live Story, o usuário pode ser incluído na aba. Um exemplo de seu uso são os grandes eventos especiais, tais como o Super Bowl, a premiação do Oscar, Olimpíadas, desfiles de moda e jogos de basquete. Nessa seção usuários postam vídeos de dentro dos eventos e os organizadores podem compartilhar uma cobertura exclusiva com vários ângulos, atraindo novos visitantes e usuários.

Histórias no Snapchat: cases de sucesso no aplicativo
Num mundo em que o público não tem mais necessidade de se comprometer, pensar estrategicamente para conquistar segmentos é extremamente necessário. Mas, para alcançar o sucesso em plataformas como essa, é preciso pensar fora do modelo de comunicação padrão. A presença, neste sentido, não é mais tão importante – deve haver uma interação e uma razão para estar ali, ou se torna mais do mesmo e logo se é descartado pela possibilidade de algo mais interessante. Em suas reflexões sobre a nova mídia, o sociólogo Nathan Jurgenson (2013) afirma que há duas categorias de plataformas de relacionamento: permanentes, que criariam um ambiente virtual onde os detalhes e a qualidade do conteúdo veiculado são valorizados; e temporárias, aquelas em que o mais importante são as experiências e o significado do conteúdo. O Snapchat se encaixa nesta última categoria.
Jurgenson (2013) acredita que as mídias digitais tem cada vez mais incentivado a documentação da vida, o que provoca certa banalização dos registros, sejam estes fotográficos, audiovisuais ou textuais. É devido a este overposting[12] de informações, que a memória acaba se tornando desnecessária, já que a importância do prato saboreado no almoço, por exemplo, perde-se rapidamente.

Temporary social media creates some much needed scarcity, interrupting the cycle of documentary accumulation by not allowing them to amass. We’ve been hoarders of the evidence of our own lives; there is no important archeology when everything is saved. (JURGENSON, 2013)[13].

Na plataforma Snapchat, todavia, esse arquivamento tão presente nas demais plataformas não existe. Ou seja, os indivíduos continuam registrando todos os seus passos e compartilhando com seus contatos, mas sem o caráter de permanência. Assim, o aplicativo acaba por incentivar ainda mais o overposting, mas desta vez despreocupado do melhor ângulo e qualidade visual, pois a ideia é apenas repassar a experiência, numa tentativa de vivência coletiva a partir da perspectiva individual. O que se assemelha bastante ao postulado por Bauman (2000) sobre o espaço público de consumo, no qual o indivíduo não está sozinho, mas vive uma experiência completamente individual.
É aí que as marcas inserem suas estratégias para oferecer a seus públicos de interesse a tão falada experiência de consumo que todos os consumidores têm buscado. Para que uma organização obtenha sucesso no estabelecimento de relacionamento com seus públicos, é necessário que a comunicação seja efetuada de maneira inteligente. Kunsch (1997) defende que as organizações devem planejar suas ações cuidadosamente, de modo a alcançar o objetivo idealizado.

A comunicação integrada passa a ser uma arma estratégica para a sobrevivência e o desempenho de uma organização em uma realidade complexa e que se altera de forma muito rápida. Hoje em dia, não é possível mais pensar, por exemplo, em realizar uma brilhante assessoria de imprensa, criar campanhas retumbantes ou produzir peças publicitárias impactantes de forma isolada, sem o envolvimento de todas as subáreas da comunicação organizacional (KUNSCH, 1997. p 149)

É importante, assim, como escreve Leitão (2011), que as organizações compreendam as funções de cada ferramenta, antes de decidir adotá-la em sua estratégia de comunicação. Acima de tudo, ter em mente que “as mídias sociais são mais que autopromoção, e sim relacionamento” (2011, p.15). A autora ressalta ainda que mais do que falar sobre si, as organizações devem se preocupar em produzir conteúdo que interesse ao público e, consequentemente, ter a oportunidade de fidelizar o cliente.

[...] acredita-se que a sociedade viva num momento em que o consumidor é bem informado, impaciente e principalmente com muitas opções para se fazer escolhas na hora de optar por serviços ou produtos. [...] A empresa não deve falar só de suas habilidades o tempo todo, isso não fará o cliente ser fiel à marca. Ao invés de vender algo, deveria-se ajudar a propor algo para uma compra. Como afirmou Perez & Barbosa (2007, p.243-244), sobre estratégia, que para competir em igualdade em um novo ambiente, as organizações precisam avaliar sempre qual é a melhor forma de se comunicar com o público-alvo (LEITÃO, 2011, p.15)

Não é mais tão raro o uso de personas em perfis de grandes marcas em plataformas de relacionamento. De acordo com Cipriani (2011), a utilização deste artifício não só aproxima o consumidor da marca, como a diferencia e personifica, tornando o relacionamento mais próximo e ‘humano’, por assim dizer. Casos de sucesso como o Pinguim do Ponto Frio[14], no Twitter, e da Prefs[15], como ficou conhecida a Prefeitura de Curitiba no Facebook, demonstram que a chave para a comunicação eficaz em cada plataforma é criar uma identidade social para a marca e usar a plataforma escolhida conforme as propostas da mesma.

Uma empresa social não é aquela que simplesmente adota ferramentas de Web 2.0, mas aquela que coloca funcionários e líderes em contato com o mercado face a face, com criatividade, autonomia e transparência. Isso vale tanto para estabelecer diálogo proativo como também para monitorar e participar das discussões passivamente. Tornando-se mais humana, a empresa passa a entender melhor a comunidade de clientes que atende e naturalmente passa a explorar com mais eficiência esse ecossistema. (CIPRIANI, 2011, p.22)

E é isso o que, de acordo com o autor, faz aumentar o capital social da organização. De acordo com ele, “ter alto capital social é ter conexões em sua rede de relacionamento que você consiga mobilizar, criando mais engajamento, participação, comprometimento e inovação” (2011, p. 108). Para o autor, é a partir dessa mensuração que se podem valorar os resultados da estratégia de mídia digital adotada, uma vez que, em suas palavras:

Se existe receita para ser bem-sucedida nas mídias sociais, ela deve ser alguma coisa parecida com: aborde as mídias sociais de forma estratégica, envolvendo todo e qualquer processo e todo e qualquer departamento da sua empresa (CIPRIANI, 2011, p.114)

Ora, o Snapchat é uma ferramenta eficaz de criação de narrativas. Usado por anônimos, famosos ou marcas (grandes ou pequenas), o aplicativo tem em seu cerne uma prática que se tornou largamente utilizada nos últimos anos, o storytelling[16]. Na verdade, a arte de narrar não é recente. O termo designa a capacidade de contar histórias de modo a torna-las relevantes. Sua versão digital, no entanto, foi registrada nos Estados Unidos, na década de 1990, com o projeto American Film Institute, durante o qual se tornou uma metodologia (GUZZETTI, 2015, pp. 318). Seu uso tornou-se estratégico na comunicação de organizações (sejam públicas ou privadas), devido ao momento histórico atual: para a necessidade de conexão com os públicos cada vez mais segmentados podem ser encontradas várias opções, dentre elas criarem narrativas que transmitam não só a história – seja esta um registro, uma campanha, uma promoção ou apenas uma ideia – que se deseja contar, mas sentimentos, expectativa e emoção.
No aplicativo, a linha do tempo chama-se Minha História. Nela, os usuários mostram seu dia a dia, sua rotina, seus afazeres, lazer, etc. Contar histórias sobre a origem da organização, mostrar o corpo de funcionários e a rotina de trabalho, desta forma, mostram-se como opções interessantes para quem busca sucesso na plataforma. Tudo isso sem se importar muito com o visual. Claro que uma imagem de qualidade atrairá mais olhares, mas nada de tratamentos especiais, a não ser que estes sejam os filtros divertidos ou os marcadores georreferenciais. No Snapchat nada é perfeito demais e esse é o diferencial. Tendo como sua principal característica a efemeridade, já que todo o conteúdo desaparece em 24 horas, é importante pensar em algo de impacto. Por esta razão, o conteúdo exclusivo é uma das grandes apostas na plataforma. Pode-se citar como exemplo o lançamento de novos produtos ou promoções especiais, com ofertas e descontos atraentes.
A mídia pode, também, ser usada como forma de chamar atenção para causas importantes, seja estas ambientais ou humanitárias. Uma rede de televisão, por exemplo, poderia usar a ferramenta na transmissão ao vivo da cobertura de uma catástrofe. Enquanto uma organização social poderia alertar sobre as causas que advoga, como o foi o caso da WWF (World Wide Fund for Nature). A ONG global atraiu as pessoas para o Snapchat para tratar do desaparecimento iminente de algumas espécies animais. Através do aplicativo, a WWF distribuía imagens em close de alguns animais ameaçados de extinção, com mensagens que sugeriam que com a ajuda do espectador seria possível impedir que aquela fosse a última selfie[17] daquele espécime. A campanha ganhou muita repercussão em toda a web. 
Como resultado disso, de acordo com a própria WWF, o Snapchat da organização tornou-se um canal ativo de conscientização e doação. Com apenas três dias de campanha, a ONG alcançou a meta de doação mensal. A marca não divulgou os números alcançados dentro do próprio aplicativo. Porém, no Twitter foram mais de 40 mil novos seguidores e 120 milhões de visualizações da campanha que foi pensada e operacionalizada em multimídia, lançando mão de outras plataformas como o Instagram e o Facebook, além de Twitter e YouTube. A ONG optou pelo uso do Snapchat como carro chefe na campanha para atrair a nova geração que, de acordo com o ComScore[18], ocupa o terceiro lugar na lista de mídias sociais mais utilizadas por usuários na faixa etária entre 18 e 34 anos.
Já a Walt Disney Company, fez o lançamento de sua conta no aplicativo de forma não convencional. A marca contratou Mike Platco (mplatco)[19] para criar uma espécie de comoção e angariar público para o novo canal da organização. Platco é reconhecido como um talentoso contador de histórias e artista plástico, que usa o recurso do storytelling de forma recorrente em sua conta. Para a campanha de lançamento do perfil da Walt Disney no Snapchat, Platco usou suas habilidades de desenho digital e contou uma história sobre ‘a chegada da mágica’ ao aplicativo. Para tanto, a organização custeou uma viagem do designer para o parque temático em Orlando, onde a história terminou de ser contada. A ação foi amplamente comentada em outras mídias sociais e se tornou uma referência de sucesso em ações de marketing na plataforma. 
Outra marca que também adotou estratégias eficientes para captar a atenção de seu público foi a Burberry[20]. A casa de moda de luxo britânica ousou e inovou ao clicar toda a sua coleção Primavera 2016 pelo aplicativo, disponibilizando com antecedência os artigos para os usuários que a acompanham na plataforma. Na ação, o próprio estilista da marca, Mario Testino, assumiu o perfil com conteúdo exclusivo da sessão de fotos. Outra abordagem da casa foi adotar o Snapcode que permitia aos consumidores nas lojas com smartphones desbloquear conteúdo exclusivo da campanha de lançamento da fragrância masculina Mr Burberry. Além do código, a marca de luxo anunciou via Discover, com conteúdo sobre estilo, fragrâncias e dicas de alfaiataria, bem como os bastidores da campanha.
No Brasil, duas marcas chamaram a atenção com suas estratégias. A primeira foi a Sprite, que levou o Snapchat para suas latas. Nomeada RFRSH, a campanha baseou-se na impressão de Snapcodes surpresa, que levaram os usuários a conteúdos exclusivos, além dos clássicos de publicidade da marca e algumas promoções instantâneas. A Sprite não poupou esforços e para alavancar ainda mais a campanha, convocou vários influenciadores digitais para compartilharem suas contas nas latas, dentre eles PC Siqueira, Pyong Lee, Karen Bachini, Marcelo Formiga e MC Guime, e ainda os perfis institucionais da MTV e do site Papel Pop. Outro estímulo aos consumidores foi a chance de ter seus Snapcodes pessoais impressos nas latas de Sprite. Foram seis contas escolhidas que passaram a estampar as latas do refrigerante no início deste ano. A campanha ocorreu no último bimestre de 2015 e a marca conseguiu mais de dois milhões de visualizações em apenas dois dias. 
A outra marca que obteve sucesso em sua abordagem estratégica no aplicativo foi a Colcci. A marca de roupas conhecida por inovar nas coberturas do São Paulo Fashion Week, decidiu fazer algo mais na edição de 2015. De acordo com a agência Aldeia, responsável pela ação foi elencado quatro pilares para a estratégia, sendo eles Bastidores, Real Time, Storytelling e Mashup. O desfile, despedida da global Gisele Bündchen, teve uma cobertura completa, com direito a interação de um blogueiro famoso, que acompanhou e registrou o desfile por meio de seu próprio perfil. De acordo com a agência, foram mais de 200 mil visualizações, ao todo, além de ter gerado mídia espontânea e ainda ser reconhecida publicamente sendo uma das três finalistas no prêmio Share, o maior prêmio de social media do Brasil, na categoria “Melhor Promoção de Marca”.

Considerações finais
O uso de mídias sociais de forma estratégica para a comunicação com públicos de interesse tem se mostrado cada vez mais importante e decisivo na criação de laços entre organização e consumidor. Afinal, mais do que ter informações sobre produtos e/ou serviços, o indivíduo (pós/hiper) moderno demanda experiências.
Como escreve Baitelo (2008 p.100):

Comunicar-se é criar ambientes de vínculos. Nos ambientes de vínculos já não somos indivíduos, somos um nó apoiado por outros nós e entrecruzamentos, em uma operação denominada “nodação” (Eickhoff) Construir um ambiente e situar-se nele reduz a fragilidade do estar só. E, para os entrelaçamentos, somente corpos podem ser pontos de germinação dos ambientes. Corpos narrativizam tais entrelaçamentos que geram ambientes, e os ambientes são os pressupostos para a continuidade, para a sustentabilidade, para a sobrevida do corpo nos outros corpos e nos corpos-outros, na materialidade dos meios que facilitam a nodação entre os corpos.

Assim, mais do que adotar ferramentas comunicacionais como uma forma de seguir o fluxo, as organizações devem se atentar às funções de cada plataforma e se adaptar a esse novo ambiente, produzindo conteúdo e oferecendo o algo a mais (valor agregado) que o consumidor busca, atualmente. Para tanto, compreender as novas mídias é de extrema importância, como afirma Recuero (2009). Somente assim, as organizações serão capazes de explorá-las em todo o seu potencial e, por conseguinte, estabelecer a presença da qual Cipriani (2011) fala; presença marcada não apenas pela criação de um perfil em cada nova plataforma digital que surja, mas aquela que dá à marca uma identidade própria e diferenciada das demais.
Claro é que, em tempos de liquidez, a abordagem das mensagens não pode responder aos padrões daquela comunicação institucional, mas deve ser planejada e conduzida como uma substância livre e amorfa que se adequa a todo e qualquer recipiente que a receba. Para tanto, sentimentos, expectativa, aventura, humor, emoção são ingredientes convenientes nesta receita de sucesso que o próprio Cipriani traz. Por esta razão, a adoção do digital storytelling como metodologia tem se mostrado eficiente na produção e condução de campanhas de marketing e projetos de comunicação estratégica em todo o mundo.
A criação de vínculos entre organização e público torna-se mais estreitada quando este se identifica na mensagem passada. Assim, o uso de mídias que facilitem essa “contação de histórias” torna-se ainda mais interessante. O aplicativo Snapchat surge nesse avolumado de novas mídias como uma possibilidade acessível de conversação sem padrão e desinteressada. Com apenas um smartphone em mãos, as organizações podem ser capazes de criar experiências a partir de fotos e vídeos pouco produzidos, mas que mostram a “verdade” por trás das mesmas, contribuindo para a criação e firmamento de uma identidade fluida e transparente diante dos públicos de interesse. Além de ser uma ferramenta que, quando explorada corretamente, provoca curiosidade, gerando buzz[21] e, até mesmo, lealdade do consumidor, já que este tem que dedicar, pelo menos, alguns minutos diários para se atualizar com as novas postagens. Mas, mais importante do que isso, gerando afeição e comprometimento.

Referências Bibliográficas

BAITELLO Jr., Norval. Corpo e imagem: comunicação, ambientes, vínculos. In: RODRIGUES, David (Org.). Os Valores e as Atividades Corporais. São Paulo: Summus, 2008.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
CIPRIANI, Fábio. Estratégia em mídias sociais: como romper o paradoxo das redes sociais e tornar a concorrência irrelevante. RIo de Janeiro: Elsevier, 2011.
GUZZETTI, Barbara. Handbook of Research on the Societal Impact of Digital Media. Hershey: IGI Global, 2015.
JURGENSON, Nathan. Temporary social media. Snap Inc.: News, Julho de 2013. Disponível em:
. Acesso em 09 de dezembro de 2016.
__________________. The liquid self. Snap Inc.: News, Setembro de 2013. Disponível em: . Acesso em 09 de dezembro de 2016.
KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Relações Públicas e Modernidade: Novos Paradigmas na Comunicação Organizacional. São Paulo: Summus, 1997
LEITÃO, Maria Elisa. Inovações Digitais. São Paulo: Gaia Criative, 2011.
RECUERO, Raquel. Redes sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.
RICOEUR, Paul. Memory, history, oblivion. Budapeste, 2003. Disponível em
. Acesso em 09 de dezembro de 2016.

Artigos eletrônicos
ALDEIA. Snapchat Colcci. Disponível em . Acesso em 09 de dezembro de 2016.
ARTHUR, Rachel. Burberry turns to epic storytelling on Snapchat to reveal new collection. In: Fashion&Mash, Fev/2016. Disponível em . Acesso em 09 de dezembro de 2016.
JUST FOR THIS. #LastSelfie. Disponível em . Acesso em 09 de dezembro de 2016.
MPLATCO. Walt Disney World. Disponível em . Acesso em 09 de dezembro de 2016.
MURAD, Fernando. Sprite leva Snapchat para suas latas. In: Meio e Mensagem, Out/2015. Disponível em . Acesso em 09 de dezembro de 2016.
POGUE, Erin. #LastSelfie: WWF Snapchat campaign raises awareness among millennials. In: OHIO UNIVERSITY, Strategic Social Media, Fev/2016. Disponível em . Acesso em 09 de dezembro de 2016.
RODERICK, Leonie. Burberry uses first ever Snapcode to let in-store customers unlock online Snapchat content. In: Marketing Week, Abr/2016. Disponível em . Acesso em 09 de dezembro de 2016.





[1] O conceito de pós-modernidade foi cunhado por François Lyotard, em A Condição Pós-Moderna. Localiza-se o início do período historicamente após a queda do Muro de Berlim, o colapso da União Soviética e a crise das ideologias nas sociedades ocidentais no final do século XX. O uso deste termo tornou-se corrente, embora haja controvérsias entre os sociólogos quanto a seus significado e pertinência. Outros termos utilizados para designar o período atual são Hipermodernidade, criado pelo filósofo francês Gilles Lipovetsky, e Modernidade Líquida, desenvolvido por Zygmunt Bauman – este adotado no presente artigo.
[2] Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, disponível em
[3] Extraído do vídeo What is Snapchat?. Disponível em . Acesso em 9 de dezembro de 2016.
[4] DIY é a sigla da expressão em inglês Do It Yourself, que significa “Faça Você Mesmo”, na tradução para a língua portuguesa.
[5] O termo webcelebridade é um neologismo, usado em meios de comunicação para se referir a pessoas que se tornaram famosas por meio da internet. Para se referir as essas pessoas também podem ser usadas as palavras subcelebridades e microcelebridades.
[6] Site com câmeras ao vivo de todo o trajeto < http://www.caminhodesantiago.com.br/>
[7] Localizado na Espanha, o destino é popular entre os católicos que buscam uma experiência espiritual, um misto de penitência, aventura e descoberta pessoal para aqueles que optam por uma das mais de dez rotas que podem chegar até mais de 600 quilômetros de percurso, na caminhada mais tradicional pelo interior da França.
[8] Filtros divertidos para fotos que permitem adicionar efeitos exclusivos para selfies e outras imagens.
[9] Filtros com base georreferencial que só podem ser usados em locais específicos do mundo ou eventos.
[10] A IMS Internet Media Services (IMS) é o maior hub de meios digitais do Vale do Silício para a América Latina, que comercializa um portfólio de produtos publicitários únicos e para diversas plataformas inovadoras na região. A IMS ajuda as marcas a conquistarem novos níveis de engajamento e crescimento na região, através de seu ecossistema exclusivo de parcerias, criatividade e produção de conteúdo, bem como na gestão dos investimentos em mídia e soluções de negócios.
[11] Fotos com conteúdo erótico, que podem conter partes ou o corpo todo do usuário que a compartilha de forma identificada ou anônima (sem rosto).
[12] Exceder uma quantidade socialmente aceitável de posts, comentários ou respostas, mesmo que o limite de postagem necessário não seja quantificável. Disponível em < http://www.urbandictionary.com/define.php?term=Overposting>. Acesso em 9 de dezembro de 2016)
[13] “As mídias sociais temporárias criam alguma escassez muito necessária, interrompendo o ciclo de acumulação documental, não permitindo que eles acumulem. Temos sido testemunhas das evidências de nossas próprias vidas; não há arqueologia importante quando tudo é salvo” (tradução livre)
[14] O Pinguim, mascote do Pontofrio, que personaliza a marca nas redes sociais, é case de sucesso em interação nas redes sociais com os consumidores do Pontofrio.com desde 2008. Está ativo no Facebook, com mais de 1 milhão de fãs; e no Twitter, com 215 mil seguidores.
[15] Fanpage institucional da Prefeitura de Curitiba, que adotou uma linguagem diferenciada para se comunicar com os cidadãos da capital paranaense. A página possui mais de 800 mil curtidas, que não se restrigem à população da cidade. Estima-se que mais da metade do público que interage com a página seja de outra localidade.
[16] Storytelling é uma palavra em inglês, que está relacionada com uma narrativa e significa a capacidade de contar histórias relevantes. Em inglês a expressão "tell a story" significa "contar uma história" e storyteller é um contador de histórias.
[17] Selfie é uma palavra em inglês, um neologismo com origem no termo self-portrait, que significa autorretrato, e é uma foto tirada e compartilhada na Internet. Normalmente uma selfie é tirada pela própria pessoa que aparece na foto, com um celular que possui uma câmera incorporada, com um smartphone, por exemplo.
[18] comScore, Inc é uma empresa de pesquisa de mercado que fornece dados de marketing e serviços para muitas das maiores empresas da Internet.
[19] Influenciador digital cujas publicações em sua conta pessoal ultrapassam 120 mil visualizações.
[20] Burberry é uma casa de moda britânica, especializada em roupa, acessórios de luxo, perfume, óculos de sol e cosméticos.
[21] Buzz é um termo de origem inglesa que significa literalmente “zumbido” ou “zunido”. É amplamente utilizado na Internet para definir o rumor acerca de algum assunto, situação ou objetivo. Quanto mais “ruído” determinado assunto gerar, melhor; por isso sua grande utilização.


Artigo científico produzido em Dezembro de 2016, como Trabalho de Conclusão de Curso da Especialização em Comunicação Estratégica.

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