Mudanças na concessão de benefícios da Previdência e
do FAT causam rebuliço. Congresso tem 60 dias para aprovar MPs
por Juliana
Marton
Na última segunda-feira (29) de
2014, Aloízio Mercadante, ministro da Casa Civil, fez um anúncio que provocou
reações adversas em todo o país. Uma
série de mudanças em programas ligados à Previdência Social e ao FAT (Fundo de
Amparo ao Trabalhador) foram publicadas no Diário Oficial da União no dia
seguinte. As medidas provisórias elaboradas pelo Palácio do Planalto causaram
um burburinho entre a classe trabalhadora, que alega ter tido seus direitos
reduzidos. O pacote de alterações inclui o período de carência para recebimento
do abono salarial e do seguro-desemprego. Outros benefícios que sofreram
alterações foram o seguro defeso, o auxílio por morte e o auxílio-doença. De
acordo com Mercadante, a justificativa principal para a modificação é a
economia para os cofres públicos e também o que ele chamou de correção de
distorções na oferta dos benefícios. “Há uma distorção no programa, com 74%
sendo pago para quem está entrando (no mercado), os mais jovens, que são mais
dispostos a mudar de emprego”, afirmou durante o anúncio.
Para Ademar Rodrigues,
vice-presidente da CUT-GO (Central Única dos Trabalhadores em Goiás), as
medidas são contraditórias e mostram que não houve preocupação com a classe
trabalhadora. “Quem pensou nesse pacote, pensou apenas em diminuir despesas e
não no bem estar o trabalhador. Está afetando a vida do trabalhador e de sua
família. Eu sempre imagino que deveríamos ter pessoas que efetivamente
representassem a sociedade nas instâncias de poder. Mas, o Congresso hoje é
totalmente conservador. E as pessoas que estão nos ministérios também são
representantes de partidos e de interesses, não do trabalhador. O Aloizio
afirma que essa medida é feita para evitar com que essa classe jovem acabe com
a rotatividade. Nossa avaliação e de alguns especialistas é de que 4 em cada 5
jovens não terão acesso ao seguro-desemprego. Já no caso dos pescadores e
também do PIS/PASEP, são questões que tinham que passar por todas as instâncias
de poder”, lamenta.
Maria Eugênia Neves Santana,
advogada trabalhista, também se posiciona de forma desfavorável às mudanças. “Na
minha concepção, esse novo conjunto de medidas prejudica de forma direta o
trabalhador, haja vista que atingirá no sentido de restringir, limitar e, até
mesmo, reduzir direitos trabalhistas e também previdenciários até então consolidados
e já usufruídos pelos trabalhadores e pela sociedade, uma vez que alguns
benefícios são estendidos a membros da família. Os direitos trabalhistas foram
conquistados após longos e dolorosos anos de luta e sofrimento da classe
trabalhadora de nosso país e os direitos previdenciários se referem a garantias
constitucionais mínimas, razão pela qual relativizar e reduzir quaisquer deles agora
representará um completo retrocesso social em nosso país”, assevera a advogada.
A opinião é compartilhada por Felipe
Couto Moreira, 21 anos, analista de Tecnologia da Informação da Creme Mel
Sorvetes. “Acredito que as alterações afetam de forma brusca e inesperada.
Todos vimos a campanha eleitoral da presidente Dilma, quando ela se colocava
sempre como defensora dos direitos dos trabalhadores e dizia que jamais
deixaria que os tais direitos fossem diminuídos. Mas, agora, vemos a
contradição, sendo que uma das suas primeiras medidas foi exatamente isso:
tirar direitos daqueles que mais precisam no momento que mais precisam. Afinal
de contas, perder o emprego normalmente não é uma escolha do trabalhador. Pessoalmente,
não me sinto prejudicado, pois as carências impostas já não podem me afetar,
porém vejo estas medidas como a ponta do iceberg que está para aparecer no que
diz respeito a tirar direitos de trabalhadores”, explica.
Há quem não concorde com esse
ponto de vista. O jovem Matheus Henrique Pereira, 22 anos, supervisor contábil
da Rema Organização Contábil, acredita que as mudanças não vieram de forma a
cercear os direitos dos trabalhadores. “Como trabalhador, tenho uma opinião bem
diferente. Penso que de certa forma as mudanças referentes ao seguro desemprego
foram boas, pois muitos estavam usufruindo dos poucos meses exigidos em lei do
seguro desemprego de forma maliciosa e incoerente. Quando se completava seis
meses, o funcionário fazia pouco caso do trabalho para que pudesse ser demitido
e receber. Acredito que a nossa presidente viu como o seu último governo
prejudicou a nossa economia e isso se deve também aos gastos exorbitantes
referentes aos benefícios mal administrados. Então, vejo que com essas novas
aprovações ela vai tirar o ‘doce’ de muito trabalhador que o Governo Federal
sustentou em seu último mandato”, argumenta.
Para Maria Eugênia Neves
Santana, as medidas são uma afronta aos trabalhadores. “Vejo tais alterações
como um completo descomprometimento do PT e, especialmente da atual presidente
para com os trabalhadores e, especialmente, para com os seus eleitores. Além de
promover um claro e significativo prejuízo econômico aos trabalhadores em
geral, tais alterações não promoverão nenhum ganho econômico se o Governo
Federal não alterar a sua forma de governar e administrar a ‘coisa pública’. Acredito que sejam uma tentativa de
‘tapar buracos’ e ‘justificar o injustificável’ e que representam um
retrocesso, a semente de um futuro caos social, em que a sociedade será
obrigada a conviver com um número ainda maior de mendigos, indigentes e pessoas
que trabalharão uma vida inteira e quando perderem sua saúde, mesmo que
temporariamente, ou seus cônjuges e companheiros se tornarão incapazes de
prover a própria subsistência”, lastima.
Na última quarta-feira (7),
Carlos Gabas, novo ministro da Previdência Social, afirmou durante sua
participação no Face to Face do Portal Brasil, que as mudanças na concessão de
benefícios trabalhistas e previdenciários são fundamentais para garantir a
sustentabilidade da Previdência nos próximos anos e desse modo permitir a
manutenção dos direitos dos trabalhadores e das políticas sociais. Roberto
Ferreira, presidente do SindMetal-GO (Sindicato dos Trabalhadores nas
Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Goiânia, no
entanto, afirma que é mais uma tentativa do Governo de mostrar controle. “Toda
vez que há uma crise e que o governo precisa cortar gastos, só se lembram dos
trabalhadores. É mais uma tentativa de justificar a corrupção desse governo e
tentar mostrar para a população que está fazendo alguma coisa com relação a
isso. Porque não mexem no bolsa família, que sai dos cofres públicos? São os
trabalhadores que estão na ativa que acabam sustentando esse programa. Se o
país quer tirar a pobreza do país, não é com paternalismo, mas com trabalho e
dignidade”, contesta.
Felipe Couto Moreira também
partilha desta opinião. “Acredito que a maneira com que a política econômica
foi guiada nos últimos 12 anos criou uma economia que cresceu em cima de
grandes incentivos e má distribuição de renda. Mas, isso tem data de validade
porque fragiliza a economia e cria um mercado dependente do governo. Agora,
chegou a fatura e querendo ou não algumas medidas tem que ser tomadas para
economizar. Porém, particularmente, acredito que temos outras formas de
economizar e com certeza não é tirando direitos dos trabalhadores. Os diretos
dos trabalhadores são conquistas difíceis sempre frutos de grandes lutas e
dificuldades, por este motivo devemos sempre nos posicionar contra esses cortes
que provavelmente jamais serão devolvidos. Mas, o importante é continuarmos
lutando e de forma cada vez mais honesta contrariando os exemplos dos nossos líderes
eleitos que a cada dia envergonham o povo deste país com seus assaltos cada vez
maiores”, critica.
Sem diálogo
De acordo com Ademar Rodrigues,
vice-presidente da CUT-GO, a despeito das alegações do Governo Federal, não
houve diálogo com as centrais sindicais de trabalhadores. “Na realidade, se
houve essa discussão, eu desconheço. Dirigentes sindicais e nós das centrais,
esperávamos que essa discussão fosse feita, já que os comentários tanto antes
do segundo turno, quanto após a posse, é que haveria discussão com a classe
trabalhadora sobre as possíveis modificações na legislação trabalhista. Mas, de
fato não houve essa conversa”, informa. Roberto Ferreira, presidente do
SindMetal-GO, observa o mesmo. “No governo anterior, a Dilma não quis mais
receber os dirigentes sindicais, cortando essa relação com as centrais
sindicais que havia no governo Lula. Mas, com o resultado das urnas, ela se viu
obrigada a recorrer a esse apoio e por isso chamou as centrais para mostrar
essa abertura. Mas, de fato não houve negociação e é por isso que ninguém sabia
de nada”, explica.
Outra justificativa apresentada
pelo ministro Aloizio Mercadante em seu anúncio foram os casos de fraude junto
à Previdência e o também de uso indiscriminado dos benefícios, principalmente,
no caso do seguro desemprego. “Se não cuidarmos disso, as futuras gerações vão
sofrer as consequências. Queremos, justamente, preservar direitos e corrigir
excessos observados. Todos os programas estão sendo mantidos, estamos mudando
regras. Os direitos trabalhistas, sociais e previdenciários estão garantidos.
Estamos buscando um alinhamento com os padrões internacionais”, garantiu o
ministro durante o anúncio. Para Ademar Rodrigues, essa é mais uma desculpa. “Dizem
que há fraude na questão do pescador, por exemplo, mas se há fraude é porque
não há fiscalização. Aí o problema já não é do trabalhador, é do Governo que
não faz uso do seu poder para regular a concessão de benefícios e também para
fiscalizar tudo isso. Além disso, para nós, essas medidas contradizem o
discurso de posse da presidente Dilma, que garantiu que não haveria redução de
direitos”, objeta.
O sindicalista Roberto Ferreira
acredita que o valor economizado não será suficiente para conter a questão
econômica do país. Para ele, as medidas são uma manobra política para
entorpecer as massas. “É mais um golpe para ludibriar o povo, para dizer que o
governo está tentando controlar a economia. Não tem nada que tirar dos
trabalhadores. A economia de que eles falaram é ínfima diante do rombo devido à
corrupção. Não vai ter contribuição nenhuma. Está na cara que a inflação está
alta e está sendo um terror para todo mundo, e onde precisa tirar os excessos
não mexe, mas onde não vai fazer volume, e afeta só os trabalhadores. O governo
tem que fazer sacrifícios nele próprio, e também trabalhar com uma previsão de
inflação mais real, pois da forma como está o país nunca vai atingir o
crescimento nunca. A nossa preocupação é com a recessão, mesmo. Principalmente,
com as negociações da data-base em andamento.”, conclui.
As Medidas Provisórias 664 e 665,
baixadas pela presidente Dilma Rousseff no dia 30 de dezembro tiveram sua
versão integral publicada em edição extraordinária do Diário Oficial da União.
De acordo com Nelson Barbosa, ministro nomeado para o Planejamento, as mudanças
vão representar uma economia de R$ 18 bilhões para a Previdência Social por
ano. As novas regras passam a valer imediatamente, mas em alguns casos há
prazos pré-determinados para as mudanças entrarem em vigor. Um exemplo é o caso
do seguro-desemprego, sobre o qual as novas regras passam a incidir no final de
fevereiro de 2015. O Congresso Nacional tem 60 dias — prorrogáveis por mais 60
— após a publicação das MPs para confirmar ou não as mudanças. Caso não haja
validação do poder Legislativo, as medidas deixarão de vigorar e tudo passará a
ficar como era antes.
O que muda, na prática?
Abono
Salarial (PIS)
Como é: corresponde a um salário mínimo e é pago
aos trabalhadores com renda de até dois salários e que tenha trabalhado pelo
menos um mês com carteira assinada no ano anterior.
Como fica: o valor passa a ser proporcional ao
período trabalhado e só receberá o benefício quem tiver trabalhado, no mínimo,
seis seguidos com carteira assinada no ano anterior.
Seguro
desemprego
Como é: tem direito ao benefício o trabalhador demitido
sem justa causa, após seis meses ou mais na mesma empresa.
Como fica: na primeira solicitação, será preciso
ter pelo menos 18 meses no emprego; na segunda, 12 meses e, na terceira, seis
meses.
Seguro defeso
(seguro-desemprego do pescador artesanal)
Como é: corresponde a um salário mínimo e é pago
aos pescadores durante o período em que a pesca é proibida. É preciso ter feito
pelo menos uma contribuição à Previdência e ter registro de pescador há pelo
menos um ano. O acúmulo de outros benefícios não é proibido.
Como fica: será proibido o acúmulo de benefícios e
será preciso comprovar três anos na profissão, um ano de contribuição à
Previdência ou venda do pescado.
Onde: antes, era preciso procurar as
Superintendências do Trabalho ou postos do Sine. Com a mudança, será preciso
procurar as agências do INSS.
Auxílio-doença
Como é: os patrões arcam com os primeiros 15 dias
de afastamento do trabalhador e o restante é custeado pelo INSS. O benefício é
calculado com base na média dos 80 melhores salários-contribuição.
Como fica: os chefes passam a custear 30 dias de
afastamento e será fixado um teto para o valor do auxílio-doença, equivalente à
média dos últimos 12 salários-contribuição à Previdência. As empresas que
possuem serviço médico poderão realizar a perícia, desde que conveniadas ao
INSS.
Pensão por
morte
Como é: o benefício pago aos viúvos é integral,
vitalício e independente do número de dependentes (filhos). Não existe prazo de
carência, bastando uma única contribuição à Previdência.
Como fica: é preciso que haja um período de dois
anos de contribuição, no mínimo, com exceção dos casos de acidente no trabalho
e doença profissional. Além disso, o benefício vitalício acaba para cônjuges
jovens, com menos de 44 anos de idade e até 35 anos de expectativa de vida.
Também será exigido tempo mínimo de casamento ou união estável de dois anos. O
valor mínimo da pensão continua sendo de um salário-mínimo.
Cálculo: o valor da pensão cai para 50%, mais 10%
por dependente (viúva e filhos), até o limite de 100%. Assim que o dependente
completa a maioridade, a parte dele é cessada.
Reportagem produzida em janeiro de 2015 para o jornal Tribuna do Planalto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário