sábado, 7 de outubro de 2017

Alterações necessárias?

Mudanças na concessão de benefícios da Previdência e do FAT causam rebuliço. Congresso tem 60 dias para aprovar MPs
por Juliana Marton


Na última segunda-feira (29) de 2014, Aloízio Mercadante, ministro da Casa Civil, fez um anúncio que provocou reações adversas em todo o país.  Uma série de mudanças em programas ligados à Previdência Social e ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) foram publicadas no Diário Oficial da União no dia seguinte. As medidas provisórias elaboradas pelo Palácio do Planalto causaram um burburinho entre a classe trabalhadora, que alega ter tido seus direitos reduzidos. O pacote de alterações inclui o período de carência para recebimento do abono salarial e do seguro-desemprego. Outros benefícios que sofreram alterações foram o seguro defeso, o auxílio por morte e o auxílio-doença. De acordo com Mercadante, a justificativa principal para a modificação é a economia para os cofres públicos e também o que ele chamou de correção de distorções na oferta dos benefícios. “Há uma distorção no programa, com 74% sendo pago para quem está entrando (no mercado), os mais jovens, que são mais dispostos a mudar de emprego”, afirmou durante o anúncio.
Para Ademar Rodrigues, vice-presidente da CUT-GO (Central Única dos Trabalhadores em Goiás), as medidas são contraditórias e mostram que não houve preocupação com a classe trabalhadora. “Quem pensou nesse pacote, pensou apenas em diminuir despesas e não no bem estar o trabalhador. Está afetando a vida do trabalhador e de sua família. Eu sempre imagino que deveríamos ter pessoas que efetivamente representassem a sociedade nas instâncias de poder. Mas, o Congresso hoje é totalmente conservador. E as pessoas que estão nos ministérios também são representantes de partidos e de interesses, não do trabalhador. O Aloizio afirma que essa medida é feita para evitar com que essa classe jovem acabe com a rotatividade. Nossa avaliação e de alguns especialistas é de que 4 em cada 5 jovens não terão acesso ao seguro-desemprego. Já no caso dos pescadores e também do PIS/PASEP, são questões que tinham que passar por todas as instâncias de poder”, lamenta.
Maria Eugênia Neves Santana, advogada trabalhista, também se posiciona de forma desfavorável às mudanças. “Na minha concepção, esse novo conjunto de medidas prejudica de forma direta o trabalhador, haja vista que atingirá no sentido de restringir, limitar e, até mesmo, reduzir direitos trabalhistas e também previdenciários até então consolidados e já usufruídos pelos trabalhadores e pela sociedade, uma vez que alguns benefícios são estendidos a membros da família. Os direitos trabalhistas foram conquistados após longos e dolorosos anos de luta e sofrimento da classe trabalhadora de nosso país e os direitos previdenciários se referem a garantias constitucionais mínimas, razão pela qual relativizar e reduzir quaisquer deles agora representará um completo retrocesso social em nosso país”, assevera a advogada.
A opinião é compartilhada por Felipe Couto Moreira, 21 anos, analista de Tecnologia da Informação da Creme Mel Sorvetes. “Acredito que as alterações afetam de forma brusca e inesperada. Todos vimos a campanha eleitoral da presidente Dilma, quando ela se colocava sempre como defensora dos direitos dos trabalhadores e dizia que jamais deixaria que os tais direitos fossem diminuídos. Mas, agora, vemos a contradição, sendo que uma das suas primeiras medidas foi exatamente isso: tirar direitos daqueles que mais precisam no momento que mais precisam. Afinal de contas, perder o emprego normalmente não é uma escolha do trabalhador. Pessoalmente, não me sinto prejudicado, pois as carências impostas já não podem me afetar, porém vejo estas medidas como a ponta do iceberg que está para aparecer no que diz respeito a tirar direitos de trabalhadores”, explica.
Há quem não concorde com esse ponto de vista. O jovem Matheus Henrique Pereira, 22 anos, supervisor contábil da Rema Organização Contábil, acredita que as mudanças não vieram de forma a cercear os direitos dos trabalhadores. “Como trabalhador, tenho uma opinião bem diferente. Penso que de certa forma as mudanças referentes ao seguro desemprego foram boas, pois muitos estavam usufruindo dos poucos meses exigidos em lei do seguro desemprego de forma maliciosa e incoerente. Quando se completava seis meses, o funcionário fazia pouco caso do trabalho para que pudesse ser demitido e receber. Acredito que a nossa presidente viu como o seu último governo prejudicou a nossa economia e isso se deve também aos gastos exorbitantes referentes aos benefícios mal administrados. Então, vejo que com essas novas aprovações ela vai tirar o ‘doce’ de muito trabalhador que o Governo Federal sustentou em seu último mandato”, argumenta.
Para Maria Eugênia Neves Santana, as medidas são uma afronta aos trabalhadores. “Vejo tais alterações como um completo descomprometimento do PT e, especialmente da atual presidente para com os trabalhadores e, especialmente, para com os seus eleitores. Além de promover um claro e significativo prejuízo econômico aos trabalhadores em geral, tais alterações não promoverão nenhum ganho econômico se o Governo Federal não alterar a sua forma de governar e administrar a ‘coisa  pública’. Acredito que sejam uma tentativa de ‘tapar buracos’ e ‘justificar o injustificável’ e que representam um retrocesso, a semente de um futuro caos social, em que a sociedade será obrigada a conviver com um número ainda maior de mendigos, indigentes e pessoas que trabalharão uma vida inteira e quando perderem sua saúde, mesmo que temporariamente, ou seus cônjuges e companheiros se tornarão incapazes de prover a própria subsistência”, lastima.
Na última quarta-feira (7), Carlos Gabas, novo ministro da Previdência Social, afirmou durante sua participação no Face to Face do Portal Brasil, que as mudanças na concessão de benefícios trabalhistas e previdenciários são fundamentais para garantir a sustentabilidade da Previdência nos próximos anos e desse modo permitir a manutenção dos direitos dos trabalhadores e das políticas sociais. Roberto Ferreira, presidente do SindMetal-GO (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Goiânia, no entanto, afirma que é mais uma tentativa do Governo de mostrar controle. “Toda vez que há uma crise e que o governo precisa cortar gastos, só se lembram dos trabalhadores. É mais uma tentativa de justificar a corrupção desse governo e tentar mostrar para a população que está fazendo alguma coisa com relação a isso. Porque não mexem no bolsa família, que sai dos cofres públicos? São os trabalhadores que estão na ativa que acabam sustentando esse programa. Se o país quer tirar a pobreza do país, não é com paternalismo, mas com trabalho e dignidade”, contesta.
Felipe Couto Moreira também partilha desta opinião. “Acredito que a maneira com que a política econômica foi guiada nos últimos 12 anos criou uma economia que cresceu em cima de grandes incentivos e má distribuição de renda. Mas, isso tem data de validade porque fragiliza a economia e cria um mercado dependente do governo. Agora, chegou a fatura e querendo ou não algumas medidas tem que ser tomadas para economizar. Porém, particularmente, acredito que temos outras formas de economizar e com certeza não é tirando direitos dos trabalhadores. Os diretos dos trabalhadores são conquistas difíceis sempre frutos de grandes lutas e dificuldades, por este motivo devemos sempre nos posicionar contra esses cortes que provavelmente jamais serão devolvidos. Mas, o importante é continuarmos lutando e de forma cada vez mais honesta contrariando os exemplos dos nossos líderes eleitos que a cada dia envergonham o povo deste país com seus assaltos cada vez maiores”, critica.
Sem diálogo
De acordo com Ademar Rodrigues, vice-presidente da CUT-GO, a despeito das alegações do Governo Federal, não houve diálogo com as centrais sindicais de trabalhadores. “Na realidade, se houve essa discussão, eu desconheço. Dirigentes sindicais e nós das centrais, esperávamos que essa discussão fosse feita, já que os comentários tanto antes do segundo turno, quanto após a posse, é que haveria discussão com a classe trabalhadora sobre as possíveis modificações na legislação trabalhista. Mas, de fato não houve essa conversa”, informa. Roberto Ferreira, presidente do SindMetal-GO, observa o mesmo. “No governo anterior, a Dilma não quis mais receber os dirigentes sindicais, cortando essa relação com as centrais sindicais que havia no governo Lula. Mas, com o resultado das urnas, ela se viu obrigada a recorrer a esse apoio e por isso chamou as centrais para mostrar essa abertura. Mas, de fato não houve negociação e é por isso que ninguém sabia de nada”, explica.
Outra justificativa apresentada pelo ministro Aloizio Mercadante em seu anúncio foram os casos de fraude junto à Previdência e o também de uso indiscriminado dos benefícios, principalmente, no caso do seguro desemprego. “Se não cuidarmos disso, as futuras gerações vão sofrer as consequências. Queremos, justamente, preservar direitos e corrigir excessos observados. Todos os programas estão sendo mantidos, estamos mudando regras. Os direitos trabalhistas, sociais e previdenciários estão garantidos. Estamos buscando um alinhamento com os padrões internacionais”, garantiu o ministro durante o anúncio. Para Ademar Rodrigues, essa é mais uma desculpa. “Dizem que há fraude na questão do pescador, por exemplo, mas se há fraude é porque não há fiscalização. Aí o problema já não é do trabalhador, é do Governo que não faz uso do seu poder para regular a concessão de benefícios e também para fiscalizar tudo isso. Além disso, para nós, essas medidas contradizem o discurso de posse da presidente Dilma, que garantiu que não haveria redução de direitos”, objeta.
O sindicalista Roberto Ferreira acredita que o valor economizado não será suficiente para conter a questão econômica do país. Para ele, as medidas são uma manobra política para entorpecer as massas. “É mais um golpe para ludibriar o povo, para dizer que o governo está tentando controlar a economia. Não tem nada que tirar dos trabalhadores. A economia de que eles falaram é ínfima diante do rombo devido à corrupção. Não vai ter contribuição nenhuma. Está na cara que a inflação está alta e está sendo um terror para todo mundo, e onde precisa tirar os excessos não mexe, mas onde não vai fazer volume, e afeta só os trabalhadores. O governo tem que fazer sacrifícios nele próprio, e também trabalhar com uma previsão de inflação mais real, pois da forma como está o país nunca vai atingir o crescimento nunca. A nossa preocupação é com a recessão, mesmo. Principalmente, com as negociações da data-base em andamento.”, conclui.
As Medidas Provisórias 664 e 665, baixadas pela presidente Dilma Rousseff no dia 30 de dezembro tiveram sua versão integral publicada em edição extraordinária do Diário Oficial da União. De acordo com Nelson Barbosa, ministro nomeado para o Planejamento, as mudanças vão representar uma economia de R$ 18 bilhões para a Previdência Social por ano. As novas regras passam a valer imediatamente, mas em alguns casos há prazos pré-determinados para as mudanças entrarem em vigor. Um exemplo é o caso do seguro-desemprego, sobre o qual as novas regras passam a incidir no final de fevereiro de 2015. O Congresso Nacional tem 60 dias — prorrogáveis por mais 60 — após a publicação das MPs para confirmar ou não as mudanças. Caso não haja validação do poder Legislativo, as medidas deixarão de vigorar e tudo passará a ficar como era antes.

O que muda, na prática?
Abono Salarial (PIS)
Como é: corresponde a um salário mínimo e é pago aos trabalhadores com renda de até dois salários e que tenha trabalhado pelo menos um mês com carteira assinada no ano anterior.
Como fica: o valor passa a ser proporcional ao período trabalhado e só receberá o benefício quem tiver trabalhado, no mínimo, seis seguidos com carteira assinada no ano anterior.
Seguro desemprego
Como é: tem direito ao benefício o trabalhador demitido sem justa causa, após seis meses ou mais na mesma empresa.
Como fica: na primeira solicitação, será preciso ter pelo menos 18 meses no emprego; na segunda, 12 meses e, na terceira, seis meses.
Seguro defeso (seguro-desemprego do pescador artesanal)
Como é: corresponde a um salário mínimo e é pago aos pescadores durante o período em que a pesca é proibida. É preciso ter feito pelo menos uma contribuição à Previdência e ter registro de pescador há pelo menos um ano. O acúmulo de outros benefícios não é proibido.
Como fica: será proibido o acúmulo de benefícios e será preciso comprovar três anos na profissão, um ano de contribuição à Previdência ou venda do pescado.
Onde: antes, era preciso procurar as Superintendências do Trabalho ou postos do Sine. Com a mudança, será preciso procurar as agências do INSS.
Auxílio-doença
Como é: os patrões arcam com os primeiros 15 dias de afastamento do trabalhador e o restante é custeado pelo INSS. O benefício é calculado com base na média dos 80 melhores salários-contribuição.
Como fica: os chefes passam a custear 30 dias de afastamento e será fixado um teto para o valor do auxílio-doença, equivalente à média dos últimos 12 salários-contribuição à Previdência. As empresas que possuem serviço médico poderão realizar a perícia, desde que conveniadas ao INSS.
Pensão por morte
Como é: o benefício pago aos viúvos é integral, vitalício e independente do número de dependentes (filhos). Não existe prazo de carência, bastando uma única contribuição à Previdência.
Como fica: é preciso que haja um período de dois anos de contribuição, no mínimo, com exceção dos casos de acidente no trabalho e doença profissional. Além disso, o benefício vitalício acaba para cônjuges jovens, com menos de 44 anos de idade e até 35 anos de expectativa de vida. Também será exigido tempo mínimo de casamento ou união estável de dois anos. O valor mínimo da pensão continua sendo de um salário-mínimo.

Cálculo: o valor da pensão cai para 50%, mais 10% por dependente (viúva e filhos), até o limite de 100%. Assim que o dependente completa a maioridade, a parte dele é cessada.

Reportagem produzida em janeiro de 2015 para o jornal Tribuna do Planalto.

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