Processo de coleta de materiais recicláveis em Goiânia
é problemático. Estímulo empresarial pode ser uma das soluções para o sistema
Juliana Marton
Editoria de
Comunidades
O Programa Goiânia de Coleta
Seletiva (PGCS) da Companhia de Urbanização de Goiânia (COMURG) começou há seis
anos, oficialmente, em novembro de 2008. Mas, a segregação de lixo já era
praticada há mais tempo por algumas cooperativas de catadores de materiais
recicláveis. Como é o caso da Cooperativa de Reciclagem de Lixo (COOPREC).
Rosalino Gomes do Carmo, presidente da organização, conta que a COOPREC foi a
primeira em Goiânia.
Para Rosalino, as cooperativas
desempenham um papel muito importante. “Elas ajudam a Prefeitura a amenizar os
problemas de transtorno com o lixo. Pois, somente nossa cooperativa, recebe de
quatro a cinco toneladas de resíduos por dia”, conta. A COOPREC é a fonte de
sustento de 20 famílias, atualmente. “Nos últimos tempos, a quantidade de
material que recebemos diminui bastante, mas a cooperativa não chegou a passar
necessidade”, garante.
Em contrapartida, na
Cooperativa Goiânia Viva as coisas parecem estar mais difíceis. É o que alega o
presidente da entidade, Ildo Sebastião Souza. De acordo com ele, há 41
cooperados, hoje, sendo que 80% são mulheres. “Em geral, são pessoas com baixa
qualificação, que tem dificuldade para entrar no mercado de trabalho, ou com
idade mais elevada”, esclarece. “Nós vendemos, tiramos as despesas e fazemos o
rateio da sobra para todos”, conta.
O problema, em Goiânia, é que a
coleta não está regular. Os caminhões terceirizados, são administrados pela COMURG
e, com a crise orçamentária que a Prefeitura de Goiânia tem passado, os
pagamentos estão atrasados. É por essa razão, de acordo com Ildo Sebastião de
Souza, presidente da Cooperativa Goiânia Viva, que a empresa detentora dos
direitos do serviço não está dando manutenção nos veículos que, além de
sucateados, são poucos.
“Nós temos um convênio com a COMURG,
em que ela recolhe o material e repassa para as cooperativas. Mas,
infelizmente, hoje estamos recebendo pouco material e, por isso, estamos
trabalhando com uma demanda muito baixa”, comenta. Na opinião de Ildo Souza, a
empresa de transportes que ganhou uma licitação da Prefeitura não está
cumprindo os termos do contrato, que é de fornecer caminhões novos para o
serviço.
“Hoje, são apenas 16 caminhões
que atendem a 15 cooperativas na cidade. Além de serem poucos, ainda estragam
demais e a nossa capacidade produtiva caiu muito. Na nossa cooperativa, não estamos
usando nem 20% da nossa capacidade de produção”, observa. Ele explica que a
cidade gera material suficiente para sustentar todas as cooperativas. “Goiânia
gera material com sobra, o problema é que não estamos recebendo”, assegura.
Ildo Souza cobra providências
da Prefeitura de Goiânia e pede ao Ministério Público de Goiás (MP-GO) que faça
cumprir o contrato. “A empresa ganhou na licitação para repor veículos novos
para trabalhar. A licitação é bem clara”, opina. “Ela tem que repor os veículos
novos e são 25. Se isso estivesse acontecendo, nós estaríamos desenvolvendo um
trabalho maravilhoso para a cidade, que já foi exemplo nacional e hoje é uma
vergonha”, protesta.
Maria de Lourdes Soares,
presidente da Coopermas, conta que a maioria das cooperativas está sem material
para fazer a coleta. A justificativa apresentada pela COMURG, de acordo com
ela, é a falta de dinheiro até para abastecer os veículos. “Tudo o que
construímos ao longo de tantos anos, levou pouco tempo para destruir. Os
caminhões são terceirizados, então não tem dinheiro para pagar e as
cooperativas é que sofrem sem o material”, lamenta.
Soares compreende o
posicionamento da empresa contratada em não fornecer os caminhões, uma vez que
não há pagamento, e não tem muitas esperanças quanto à renovação da frota de
caminhões para coleta seletiva. “Só vai ficar na palavra, coisas muito menores
que poderiam ser resolvidas, não estão. Você acha que eles vão trocar caminhões
velhos por novos, sendo que nem os velhos estão recebendo?”, questiona.
Ela conta que o MP-GO doou
cinco caminhões para as redes, que são uma espécie de acordo entre cooperativas
para venda do material segregado em valor tabelado. “Agora, estamos tentando
negociar com a COMURG para ela fique responsável pelos carros, incluindo sua
manutenção. Aí sim, teremos um aumento da frota. Mas, vindo da Prefeitura, eu
não acredito em nada mais”, assevera.
Até o fechamento desta matéria,
a COMURG não retornou o contato da reportagem.
Tudo errado
O promotor Juliano de Barros
Araújo, titular da pasta de Meio Ambiente do Ministério Público de Goiás
(MP-GO), explica que a coleta seletiva, em Goiânia, ainda tem muitos problemas
de estruturação das cooperativas. “Desde 2011, nós temos um grupo de trabalho
para poder acompanhar esse processo. Partimos de um princípio de estruturação
documental e, posteriormente, a estrutural”, explica.
De acordo com ele, o prefeito
Paulo Garcia está muito sensibilizado com a questão e até criou um grupo de
trabalho na Prefeitura para tratar da questão. “Há um projeto de construção de
centros de triagem públicos, onde todas as cooperativas poderão atuar por meio
das centrais de catadores”, comenta. Na opinião do promotor, essa definição
física será muito positiva para a atuação das cooperativas e também a coleta
seletiva na cidade.
Sobre a empresa que fornece os
caminhões para a coleta, Juliano Barros afirma que o problema é a falta de
pagamento. “Tem mês que paga, mas às vezes fica muito tempo sem pagar. Não se
relaciona à coleta, em si”, comenta. “Mesmo que tivessem todos os caminhões
disponíveis, é senso comum que houve um relaxamento na segregação em casa. Isso
contamina o material e termina não servindo para as cooperativas”, observa.
Falta consciência?
Um dos fatores que dificultam o
processo é a diminuição da participação social na coleta. De acordo com Juliano
de Barros Araújo, promotor de Meio Ambiente do MP-GO, pela falta de
continuidade nas atividades de conscientização, muitas pessoas deixaram de separar
material reciclável e resíduos orgânicos em casa. “Isso eu falo pela minha
casa, se eu não estou cobrando o tempo todo acaba que, uma hora ou outra,
deixam o hábito de lado”, conta.
Ildo Sebastião de Souza,
presidente da Cooperativa Goiânia Viva, acredita que nem se pode cobrar da
população. “Hoje, nós cobramos deles, mas amanhã o Poder Público não dá conta
de buscar. De que ainda?”, indaga. Na opinião dele, a Agência Municipal de Meio
Ambiente (AMMA) precisa executar um trabalho de conscientização ambiental. “É
uma vergonha, e a COMURG acaba fazendo sozinha, o que não é papel dela”,
lastima.
Outra questão importante,
levantada por Maria de Lourdes Soares, presidente da Coopermas, é o fato de a
população não doar o material para as cooperativas. “Muitos acham que estão
doando para a Prefeitura, mas não é. E as pessoas tinham que ter consciência
que não estão fazendo o bem apenas para nós, cooperados, mas para elas mesmas,
porque é uma causa ambiental”, argumenta.
Juliano Barros esclarece que o
MP-GO já solicitou à AMMA a realização de um projeto de educação ambiental que
contemple a reestruturação dessa conscientização dentro da cidade. “É um
trabalho que tem sido acompanhado, mas está ainda deixando muito a desejar.
Goiânia, hoje, consegue segregar no máximo 6% de seus resíduos, enquanto o
plano de resíduos sólidos estabelece uma meta de 30%”, esclarece.
O que atua a favor da cidade é
a receptividade ao tema que, para o promotor, é muito grande. “Esse tipo de
educação ambiental tem que ser contínua. Como não houve acompanhamento e
continuidade nessas ações, as pessoas pararam de fazer a segregação dos
resíduos em casa”, afirma. “Precisamos retomar um processo de educação
ambiental contínua, o que vai aumenta a quantidade de material coletado e
beneficiar as cooperativas e a cidade”, sustenta.
BOX
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Como separar o lixo doméstico?
- Não misture recicláveis com orgânicos. Coloque
plásticos, vidros, metais e papéis em sacos separados.
- Lave as embalagens do tipo longa vida, latas,
garrafas e frascos de vidro e plástico, apenas com água. Seque-os antes de
depositar nos coletores.
- Papéis devem estar secos. Podem ser dobrados, mas
não amassados.
- Embrulhe vidros quebrados e outros materiais
cortantes em papel grosso (do tipo jornal) ou colocados em uma caixa para
evitar acidentes. Garrafas e frascos não devem ser misturados com os vidros
planos.
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Responsabilidade social
A iniciativa privada tem feito
diferença para as cooperativas em Goiânia. De acordo com Ildo Sebastião de
Souza, presidente da Cooperativa Goiânia Viva, parcerias como a feita com a
Refrescos Bandeirantes/Coca-Cola são uma via de mão dupla. “Na verdade, estamos
ajudando eles, também. Porque, de acordo com a lei de resíduos sólidos eles
precisam dar destinação correta ao material”, explica.
De acordo com Raqueline
Vasconcelos, coordenadora de sustentabilidade da Coca-Cola, desde 2008, a
Refrescos Bandeirantes já trabalhava com o apoio às cooperativas, com a Lei nº
12305 de 02 de agosto de 2010, da Política Nacional de Resíduos Sólidos, houve um reforço no apoio, por se pensar na sustentabilidade.
“Atualmente são apoiadas 28 cooperativas de reciclagem. Isso traz visibilidade à
marca”, comenta.
A parceria proposta pela
indústria consiste em uma troca: as cooperativas recolhem garrafas PET em
acordo às metas mensais propostas, e a empresa paga uma premiação em dinheiro
ao final do ano. O valor que pode chegar até R$ 2 mil é revertido em bens
materiais para a própria cooperativa. “O projeto nada mais é do que o retorno
dos pets que estão no mercado para a indústria e esse retorno é por meio das
cooperativas”, explica Raqueline.
Para Ildo Souza, ações da
iniciativa privada deveriam ser constantes, pois garantiriam o sucesso da
destinação correta de material reciclável e resíduos orgânicos. “Se as empresas
quisessem fazer esse trabalho, nós não precisaríamos nem do Poder Público,
hoje. Se cada empresa contribuísse separando os materiais e entregando às
cooperativas, hoje geraríamos mais empregos e tiraríamos muitas famílias da
rua”, opina.
O promotor Juliano de Barros
Araújo, titular da Promotoria de Meio Ambiente do MP-GO, afirma que muitas
organizações já fazem esse trabalho, mas por interesses financeiros acabam
internalizando o serviço, ao invés de repassar o material para as cooperativas.
“É obrigação do gerador de resíduos dar destinação correta aos mesmos. Mas, com
o resíduo tem valor econômico, muitos internalizaram esse processo”, comenta.
De acordo com o promotor, em
Aparecida de Goiânia há uma legislação que garante a destinação de um
percentual dos resíduos gerados às cooperaticas. “Em Goiânia, no entanto, não
temos nada desse tipo, ainda. Por isso, é importante que as empresas tenham a consciência
de reverter esses materiais para a cooperativa”, alega. Outro fator importante
na opinião dele, é a instalação de novas indústrias na cidade.
“Há a necessidade de que outras
empresas cuja matéria-prima são os materiais recicláveis instalem-se em
Goiânia. Porque se houverem novas empresas para fazer a reciclagem o custo
torna-se menor e a demanda pelo material também aumenta”, afirma Araújo. De
acordo com ele, pela falta de comprador dos materiais após a segregação,
algumas cooperativas deixam de pegar resíduos, quando não descartam.
Reportagem elaborada em junho de 2015 para o jornal Tribuna do Planalto.
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