sábado, 7 de outubro de 2017

RP em Cena - Uma análise da representação dos relações-públicas pela Sétima Arte, sob a perspectiva ética

RESUMO

A proposta desta pesquisa é examinar, do ponto de vista do que é oferecido pelo cinema, de que forma os profissionais de relações públicas podem ser vistos pela opinião pública. A perspectiva de análise escolhida, com fins de delimitação, vez que se trata de um Trabalho de Conclusão de Curso, foi a ética. Por exercerem uma função que pode implicar em situações de crise e, também, por serem especialmente importantes no processo de tomada de decisões frente às ações que serão levadas à opinião pública, os relações-públicas estão sujeitos a vários dilemas. Por essa razão, por meio da análise fílmica de quatro obras relevantes para o cinema, esta pesquisa dedicou-se a verificar os padrões comportamentais com os quais os relações-públicas são identificados na telona.



Palavras-chave: Relações Públicas, Cinema, Ética, Estereótipos

ABSTRACT

The purpose of this research is to examine, from the point of view of what is offered by the cinema, how public relations practitioners can be seen by the public. The chosen analytical perspective, gated purposes, since it is a Final Paper, was ethics. For exercising a function which can result in crisis situations and also by being especially important in front of decision-making to the actions that will be taken to public opinion, the public relations are subject to various dilemmas. For this reason, through film analysis of four relevant works for the cinema, this research is dedicated to examining the behavioral patterns with which public relations are identified on the big screen.

Keywords: Public Relations, Cinema, Ethics, Stereotypes



INTRODUÇÃO

O cinema surgiu como uma forma de entretenimento baseada no espanto, nas palavras de Ben Singer (2004). Advento da modernidade que se manifestava, principalmente, na “sensacionalização” do divertimento comercial expressada no melodrama teatral, sobretudo. Mas, não foi aí que o aparato cinematográfico se firmou. Apesar de ainda preservar a questão do suspense como tônica da diversão que proporciona, a principal característica que garantiu ao cinema sua ascensão como arte urbana foi a ilusão da verdade que oferecia ao público. Afinal, a busca pela reprodução da realidade sempre foi um sonho, e a imagem em movimento permitiu que isso ocorresse, em certa medida.
A Sétima Arte, no entanto, não ficou só iludindo. Com a adaptação da narrativa literária para si, o cinema virou uma verdadeira fábrica de contar histórias. E, se uma imagem fixa já falava mais do que mil palavras, quanto mais a imagem em movimento traria ideias, afloraria emoções e permitiria sensações nunca antes experimentadas. O cinema trouxe possibilidades. Aonde mais um trabalhador simples poderia conhecer lugares exóticos sem precisar viajar para fora do país? Talvez, atualmente, seja até mais fácil realizar tal feito, devido à globalização e tudo o mais, mas no início do século XX esta era uma grande façanha que encantou a população mundial e garantiu ao cinema seu posto como nova forma de lazer.
Para criar histórias mais e mais realistas, o cinema não hesitou em importar aspectos comuns da vida social. Por isso, etnias, culturas, idiomas, economia, tradições, tecnologia, entre outros marcadores, passaram a fazer parte do universo narrativo cinematográfico. A cada novo filme, as personagens apresentavam mais traços que permitiam essa identificação da plateia. A exploração de várias dimensões da vida na telona garantia que o público se visualizasse, aumentando ainda mais o interesse pela arte da imitação. Como era de se esperar, o universo do trabalho não ficou de fora. Profissionais das mais variadas áreas foram representados na tela, incluindo os relações-públicas.
O cinema ganhou um caráter educativo, também. Por trazer tanta novidade, disponibilizou informação para quem antes não poderia ter acesso a ela. O que inclui o conhecimento não só espacial-geográfico, mas também histórico e social. Muitos passaram a conhecer determinados temas através do aparato cinematográfico. É importante ressalvar que o cinema, não reproduz a realidade, apenas dá a impressão de que o faz. Mas, não se revela assim. Pelo contrário, lança o seu olhar na tela como se fosse o do próprio espectador, ocultando-se por trás do público. Isto gera, de acordo com Ismail Xavier (2003), a identificação do olhar do mediador com o do público. “Espectador de cinema, tenho meus privilégios. Mas, simultaneamente algo me é roubado: o privilégio da escolha” (XAVIER, 2003, p.36).
Como representação do real, o cinema faz escolhas. Abordagens, perspectivas, angulações, encenações: tudo faz parte do aparato e se apresenta segundo um discurso, um ponto de vista, uma ideologia. Mesmo que exposto na tela, um costume não é aquilo que se vê, realmente. Assim como uma etnia encenada, não passa de uma imitação. Uma ilusão realista. Por não ter a capacidade de aprofundamento dos traços e características de suas personagens, o cinema vale-se de estereótipos. Positivos ou negativos, apresentam-se como a única forma de representar uma categoria, classe, etc. Pois, os estereótipos são nada mais do que essa simplificação das identidades a que todos estão submetidos e que permitem o conhecimento prévio de algo ou alguém, como escreve Baccega (1998).
Quando isso é exposto na telona, portanto, o cinema extrapola o campo do entretenimento, tornando-se uma ferramenta de descobrimento, conhecimento e propagação de informação, sejam estes reais ou não. Se o espectador não conhece determinado fato que lhe é apresentado na sala, aquilo passa a fazer parte do seu saber, contribuindo para a construção de um imaginário coletivo. A imagem construída na tela é, assim, educativa. Para investigar a constituição dos relações-públicas por meio da Sétima Arte é que esta pesquisa foi conduzida. A partir da análise de quatro filmes que trazem a profissão como pano de fundo, verificou-se a forma como o profissional da área é representado, com fins de reflexão sobre o impacto da intervenção do cinema na construção desta imagem.
Como justificativa para tanto, lança-se mão do argumento apresentado por Cabezuelo e Peinado, que afirmam ser uma investigação importante, vez que, para muitas pessoas conhecerem as práticas de RP, “sobram apenas a Internet e o cinema mais comercial como elementos educativos e informativos de massa com uma certa relevância" (2014, p.53). Isso considerando a ausência de outras fontes informativas com facilidade de identificação e acesso pela população. Além disso, como afirmam, o cinema feito em Hollywood, especificamente, possui uma capacidade grande de impacto cultural, “graças à sua agressiva rede de distribuição e ao volume de produção de filmes com a de outros países" (ibid).
Outro elemento motivador é o fato de que, por serem uma atividade relativamente nova, as Relações Públicas enfrentam em si mesmas uma dificuldade de definição, problema apontado por Andrade (1993). A falta de concordância sobre as funções de RP implica na não consolidação de uma identidade comum entre os profissionais, o que pode atrapalhar a formação da representação social que permearia o imaginário coletivo. Por essa razão, a contribuição da mídia e seus produtos tem sido um constituidor influente na construção dos estereótipos que precedem a atividade, assim como todas as demais áreas do conhecimento. A encenação na tela, então, coloca a profissão em evidência. Mas, será esta a justa medida para as Relações Públicas? Para se obter evidências que esclareçam esse processo, buscou-se analisar a profissão dentro da produção cinematográfica, por meio de suas personagens. Com o intuito de não se criar uma variedade tal de informações, concentrou-se no aspecto ético, considerado um dos pilares das RP.


2 QUEM É E O QUE FAZ?

2.1 Teorizando: história e funções das Relações Públicas

A atividade de Relações Públicas pode ser verificada em várias manifestações ao longo da história. Intimamente ligada à questão da opinião pública, nota-se a presença dessas manifestações desde a Grécia antiga, onde a escolha de senadores e outros mandatários era feita por meio da deposição das cascas de ostras em urnas, passando por Roma, quando Pôncio Pilatos pede à multidão que opte entre Jesus e Barrabás, e nos Estados Unidos, com a clássica declaração do então presidente Abraham Lincoln: “Com a opinião pública nada pode malograr; sem ela nada pode resultar bem”.
O surgimento da profissão, contudo, ficou marcado pela declaração de William H. Vanderbilt, filho do comodoro Cornelius Vanderbilt, que pronunciou a famosa expressão: “The public be damned[1], em 1882, e pela abertura do primeiro escritório de assessoria pelo jornalista Ivy Lee, em 1906, em Nova Iorque. À época, no país, via-se o surgimento dos monopólios que trouxeram a maior concentração de renda na mão de poucos e, com isso, o descontentamento da classe operária. Com a industrialização em massa da sociedade norte-americana nos anos 1800, surgiu também o movimento sindicalista, que teve seu amadurecimento no final do século XIX.
Por essa razão, de acordo com Pinho, “o período compreendido entre o final do século XIX e o início do século XX foi marcado por mais greves” (2008, p.28). Vanderbilt, supracitado, era um dos grandes empresários do ramo de estradas de ferro da época e sua famosa declaração, como destaca Pinho (2008), denota o sentimento e o posicionamento dos monopólios frente à opinião pública.

O contexto histórico da sentença “O público que se dane” revela uma sociedade atribulada pelas lutas, reivindicações e arregimentação da classe trabalhadora que reverberava o slogan “proletários de todo mundo, uni-vos”, proclamado pela Internacional Comunista e descrito no Manifesto Comunista (PINHO, 2008, p.32)

É nesse contexto que surge a necessidade do exercício das Relações Públicas, vez que a cada dia as relações entre empresários e trabalhadores tornavam-se mais conflituosas. Apoiado em Gurgel, Pinho explica que Ivy Lee, jornalista e publicitário, em 1903, começa a escrever artigos como ‘press agent’, algo como “agente de imprensa”, sugerindo uma atividade que forneça relacionamento entre as empresas e seus públicos. A atuação do primeiro relações-públicas limitou-se à representação de grandes magnatas da época, a começar de John Rockefeller, que foi seu primeiro cliente. Sua orientação máxima era de que “o público precisa ser informado”, e foi a partir desta guia que Ivy Lee atuou em diversos escândalos empresariais, efetuando o meio de campo entre corporações e públicos.
Já no século XX, as Relações Públicas ganharam mais território, sendo acopladas à esfera governamental. Especialmente com o crack da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, o Governo dos Estados Unidos precisou munir-se de todas as ferramentas possíveis para lidar com a população. Os embates socialistas-capitalistas ganharam força e foi com a ascensão de Franklin Delano Roosevelt à Casa Branca, e sua adoção de medidas direcionadas ao manejo da opinião pública por meio do New Deal, que os ânimos voltaram a se acalmar.

Foram organizados os serviços de imprensa, nos principais órgãos federais, somados à distribuição oficial de credenciais aos redatores de jornais, dando-lhes todo o direito de ter acesso irrestrito às informações dos órgãos públicos. As famosas “conversas ao pé do fogo”, através da emissão semanal em cadeia nacional de rádio, era também uma forma do presidente prestar contas da atuação do governo perante o povo americano. Houve ainda a criação das press conferences, que aconteciam, em média, 250 vezes ao ano; um trabalho que era complementado com a intervenção dos chamados agentes especiais, funcionários do governo destinados a esclarecer a opinião pública através de contatos pessoais com os diferentes setores da sociedade civil (PINHO, 2008, p.37-38)

Para o autor, esta época foi um marco para a consolidação da profissão nos Estados Unidos e no mundo, já que as ações do presidente Roosevelt não se restringiam apenas ao território norte-americano, mas atingiam as demais nações com as quais o país mantinha relações, devido às políticas internacionais adotadas pelo chefe do executivo. Com a incorporação das práticas de Relações Públicas à esfera governamental, inclusive, o investimento em cursos específicos para a formação de profissionais na área tornou-se uma demanda real, iniciando-se, em 1934, “uma grande disseminação de cursos de Relações Públicas nos Estados Unidos, fato que só veio a fortalecer-se durante e após a segunda guerra mundial” (PINHO, 2008, p.39).
Apesar de mais de um século de existência, no entanto, a profissão ainda pode ser considerada polissêmica em suas definições. Kunsch (2003) posiciona a atividade como subsistema de apoio das organizações, cujo objetivo é fortalecer o sistema institucional e promover sua interação com os demais subsistemas. A autora baseia-se nas teorias elencadas por Ehling, White e Grunig, chamadas essenciais das Relações Públicas, sendo elas a teoria interorganizacional, a teoria de gerenciamento, a teoria da comunicação, e a teoria de conflitos-resoluções, para apontar as funções da atividade, que são: administrativa, estratégica, mediadora e política.
De acordo com Kunsch, “como função administrativa, as relações públicas, por meio de suas atividades específicas, visam atingir toda a organização, fazendo as articulações necessárias para maior interação entre setores, grupos, subgrupos etc” (2003, p. 100). Esta função, desta forma, enfatiza o caráter de comunicação dentro da organização, com o objetivo de facilitar o diálogo entre as diversas instâncias que formam a corporação, permitindo respostas mais efetivas ante as demandas que se apresentem.
Já no caso da função estratégica, Kunsch defende que a mesma só pode ser exercida por meio do planejamento de relações públicas, pois é mediante esta função que canais de comunicação são abertos na busca pela confiança e construção da credibilidade das organizações. Por isso, a autora considera que "pensar estrategicamente requer o conhecimento da organização e de suas condições, aspirações e aportes técnicos e tecnológicos para aplicá-las na prática e intervir no processo de planejamento e gestão estratégica" (2003, p.241).
Tendo sua essência na promoção do diálogo, de acordo com Kunsch, as Relações Públicas veem na função mediadora a efetivação de seu cerne. Isso porque, como a autora escreve, “fazer as mediações entre as organizações e seus públicos é uma função precípua de Relações Públicas, que não podem prescindir da comunicação e do uso de todos os seus meios possíveis e disponíveis” (2003, p.105). Todavia, como salienta, a função mediadora não se trata, apenas de informar, “mas de praticar a comunicação no seu verdadeiro sentido etimológico” (2003, p.105). Deste modo, esta função refere-se ao diálogo entre organizações e públicos.
Por último, a função política está presente tanto na resolução de conflitos, quanto no gerenciamento de crises. Kunsch (2003) destaca que esta função “pressupõe negociações, estratégias de comunicação e ações concretas para encontrar soluções de problemas que as organizações possam ter no relacionamento com os públicos no ambiente social” (2003, p. 111). De forma sucinta, a função política visa tratar de resoluções de impasses dentro das organizações. Vale ressaltar, como a própria autora o faz, que o exercício das Relações Públicas se dá, somente, quando todas as funções são contempladas simultaneamente. Isso porque,

[...] as funções essenciais de Relações Públicas aqui tratadas – a administrativa, a estratégica, a mediadora e a política – não são instâncias separadas uma da outra. Na prática, o exercício pleno da atividade requer a soma de todas, numa interpenetração que ajude as organizações não só a resolver seus problemas de relacionamentos, mas também a se situar de forma institucionalmente positiva na sociedade (KUNSCH, 2003, p.117)


2.2 A questão ética na profissão

Do grego ethos (bom costume), a ética sempre esteve intimamente ligada à moral. A diferença entre os dois valores, entretanto, está no fato de o primeiro, baseado no segundo, buscar de forma racional o melhor modo de viver e conviver socialmente. Se a moral diz respeito a um conjunto de hábitos e costumes de determinado grupo, cultura, etc, a ética transcende, uma vez que tem o objetivo de universalizar normas comportamentais humanas para que a vivência em uma dada sociedade seja harmoniosa para todos os indivíduos, tendo em vista que é construída tendo como base seus valores históricos e culturais.
De acordo com Boff (2003), a ética “considera concepções de fundo acerca da vida, do universo, do ser humano e de seu destino, estatui princípios e valores que orientam pessoas e sociedades” (BOFF, 2003, p. 37). Por outro lado, o autor explica que a moral se trata da prática real das pessoas e, por essa razão, faz parte da vida concreta. “Uma pessoa é moral quando age em conformidade com os costumes e valores consagrados. Estes podem, eventualmente, ser questionados pela ética” (BOFF, 2003, p. 37). Para Boff, a pessoa moral não é necessariamente ética, pois a moral orienta para costumes de conveniência, enquanto a ética, necessariamente, obedece a convicções e princípios. “A ética seguiu o destino da razão. A natureza da razão é procurar, e o ethos será um ethos que procura” (BOFF, 2003, p. 42).
Uma vez que não se limita a nenhuma instância, a razão modificou os modelos sociais humanos, redefinindo tempo e espaço, mas acarretando limites que, segundo análise do autor, podem ameaçar o futuro da humanidade, na condição de que, como observa:

sendo os entes ilimitados, ilimitados são também os saberes. Mas, esquece-se que são partes de um todo. Realidade fragmentada, gerou saber fragmentado e ética fragmentada em infindas morais, para cada profissão (deontologia), para cada classe e para cada cultura (BOFF, 2003, p. 42)

Devido a esta fragmentação apontada por Boff, a ética pode variar entre nações e, até mesmo, entre grupos profissionais, ao que se denomina como deontologia, o que se tornou um dos principais ramos da Ética Normativa. O termo foi cunhado por Jeremy Bentham, filósofo inglês, em 1834, com o fim de especificar o ramo da ética que estuda o dever e as normas, sendo conhecida também como “Teoria do Dever”. No entanto, a Deontologia pode também representar o conjunto de princípios e normas de comportamento ou deveres de uma dada profissão, regulando seu exercício em acordo a um Código de Ética estabelecido para cada categoria, como escreve Gonçalves (2007).
Neste caso, então, a Deontologia seriam as normas estabelecidas não pela moral, mas pela ética, uma vez que objetiva a correção de intenções, ações, direitos, deveres e princípios. O primeiro Código Deontológico profissional foi feito para a área de Medicina, nos Estados Unidos. Desde então, várias categorias adotaram o método a fim de padronizar as ações dos profissionais em atuação e, claro, responder a uma crescente exigência social. Por este motivo, a força das decisões individuais dentro das instituições é fator de preocupação para Leisinger.

O fato de o mercado ‘fracassar moralmente’ quando as pessoas que nele atuam apresentam deficiências morais se manifesta também em muitos exemplos de uma irresponsável mentalidade da vantagem própria alcançada ao custo da saúde e da vida de pessoas (LEISINGER, 2001, p. 46)

Leisinger defende que “a consciência moral da pessoa não pode ser estabelecida nem determinada; a lei não desobriga o homem do encargo de pensar e de agir com ética e reflexão” (LEISINGER, 2001, p. 49). Outro ponto importante ressaltado pelo autor, neste sentido, situa-se nos limites éticos. De acordo com ele, dilemas éticos sempre se farão presentes quando surgir a dicotomia moral/imoral. Leisinger afirma:

Ideias sobre o que seja moralmente aceitável sempre são determinadas culturalmente e marcadas pelo respectivo contexto social. Por isso, a mesma forma de comportamento, conforme a ética em que se baseie, pode aqui ser considerada como moral e ali como imoral (2001, p. 62)

Isto ocorre devido às diferenças culturais que marcam a formação da moral do indivíduo, como já dito anteriormente. Por essa razão, o autor ressalta:

Dilemas éticos são, pois, situações em que ocorre escolha não entre uma ação imposta pela ética e outra proibida, mas apenas entre dois ou vários males. Também o omitir-se, ou a aceitação de uma determinada situação problemática, pode ser uma escolha eticamente inadmissível. O que aqui ocupa o lugar central é a ponderação sobre o mal eticamente menor. (LEISINGER, 2001, p. 120-121)

Para tanto, Leisinger acredita que os tomadores de decisão precisam ser dotados de coragem civil, a qual ele define como “a coragem de defender as próprias convicções e valores, mesmo quando o contexto social prefere outras convicções e outros valores” (LEISINGER, 2001, p. 160). Por esta razão, aderir a um modelo semelhante ao proposto por Ianhez[2] faria sentido. O autor acredita que ao se diferenciar a Ética dos Valores, as organizações acabam criando uma situação conflitante de interesses, vez que a ética, nesta perspectiva, estaria mais aliada a um processo de sanções e punições, enquanto os valores diriam respeito a prosperidade e desenvolvimento.
A mudança na nomenclatura parece ser simples, todavia a linguagem é uma das dimensões fundamentais na formação do indivíduo, logo o questionamento e sugestão tornam-se lógicos no processo de implantação de uma gestão voltada para a harmonia entre os interesses das organizações, seus públicos, a sociedade, em geral, e até mesmo o meio ambiente. "Um Código de Valores dá aos membros de uma organização direção, visão comum, decisões uníssonas, independente da distância que os separam” (IANHEZ).
Assim, a ética seria incluída, sem dúvidas nesse apanhado de valores fundamentais à atuação de toda e qualquer organização. Mas, vista sob esta perspectiva, teria sua vivência e aplicação na gestão organizacional facilitada, vez que, como escreve o autor, priorizaria uma liderança baseada em valores e não em sanções, incentivando as práticas éticas por parte daqueles que compõem as organizações e são, em suma, os responsáveis pelo que estas representam socialmente.
De acordo com Andrade, a discussão sobre a ética organizacional teve início da década de 1980, ganhando mais destaque nos anos 1990. De acordo com a autora, “a ênfase no comportamento ético deixou de ser um modismo" (2009, p.2). Neste sentido, afirma Andrade, o profissional de relações públicas, enquanto representante da imagem das organizações, assume um papel fundamental na gestão de relacionamentos baseados em padrões éticos.

A própria definição de Relações Públicas deixa evidente que é preciso estabelecer e/ou buscar a compreensão mútua e os interesses coletivos, e isto só pode ser conseguido, se houver uma preocupação com a ética nos relacionamentos e com as estratégias de comunicação que propiciem o diálogo, para a construção participativa de um comportamento ético, em toda a organização e para com todos os seus públicos" (ANDRADE, 2009, p.2)

Ora, Kunsch (2003) destaca que “[...] as relações públicas, lidam basicamente com as relações de poder dentro das organizações e com a administração de controvérsias, confrontações, crises e conflitos sociais [...]” (KUNSCH, 2003, p. 109), o que demonstra a ligação íntima da atividade com a alta gerência das organizações e, consequentemente, a participação nas tomadas de decisões, a partir da leitura e análise do ambiente externo tanto para prevenção, quanto para remediação dos problemas quando estes instalam-se nas organizações.
Mainieri (2014) escreve que a atividade de relações públicas é fundamentada em valores como transparência, democracia e diálogo. Por essa razão, de acordo com o pós-doutor, a atividade precisa “traduzir os anseios da sociedade, balizando suas ações em transparência, veracidade, diálogo, respeito, dentre outros aspectos” (MAINIERI, 2004, p. 12), uma vez que “a postura ética das empresas, revelada no compromisso com os públicos, torna-se condição para a sobrevivência, manutenção e expansão das organizações” (MAINIERI, 2014, p. 5). É esse comportamento sólido dos próprios profissionais, balizado na criação de códigos específicos à categoria, que resguarda a sociedade da atuação daqueles antiéticos.
A adoção de um Código de Ética próprio às organizações e o respeito aos da própria categoria, desta forma, podem ser considerados aspectos lógicos para a manutenção de uma gestão inteligente e ética. Gonçalves observa que “os códigos internacionais mais reconhecidos e adotados pelas associações profissionais de RP são o Código de Atenas[3], o Código de Lisboa[4] e o Code of Professional Standards[5] da Public Relations Society of America (PRSA)" (2007, p.10-11). A exposição da análise feita pela autora sobre os documentos leva a crer que os códigos de ética funcionam mais como facilitadores do processo mercadológico e relacional com o público, tendo-se em vista que contribuem para o equilíbrio entre interesses das organizações e seus públicos. Isto porque, de acordo com ela, os códigos “funcionam mais como uma ferramenta de auto-educação do próprio profissional do que como uma base para a sua avaliação e consequente punição” (GONÇALVES, 2007, p.13).
Esta tentativa de regulamentação da conduta do profissional de Relações Públicas traz, por conseguinte, uma série de questionamentos sobre a conduta dos profissionais e das organizações em que atuam. Principalmente, com a modernidade determinadas questões tornam-se urgentes, dentre elas a ética que, hoje, é vista pela sociedade como pré-requisito nos relacionamentos mercadológicos, já que se entende que esta relação entre organizações e públicos deve ser equilibrada, ou seja, uma relação de troca harmoniosa, ao que Gonçalves (2007) traz em sua argumentação sob a perspectiva de um modelo simétrico, proposto por Grunig.

Na perspectiva sistémica de Grunig o objectivo último das RP é a compreensão mútua entre a organização e todos os públicos envolvidos, através da modificação da atitude e comportamento, tanto da organização como dos públicos. Este objectivo só é viável através da prática do two-way symmetric model que, ao contrário dos outros modelos de RP (press-agentry; public information e two-way asymetrical model), é o único que se fundamenta no conceito de simetria” (GONÇALVES, 2007, p.7)

De acordo com Gonçalves (2007), o aumento dessa preocupação da sociedade com as questões éticas referentes ao exercício da atividade de relações públicas está atrelado à opinião pública atual, muito influenciada pelas perspectivas adotadas pela produção ficcional, seja em forma de livros ou produções audiovisuais, citando como exemplo, inclusive, um dos filmes objetos de estudo da análise que procederá esta pesquisa, sendo Thank you for smoking (“Obrigado por fumar, 2005), de Jason Reitman.


2.3 Identidade e estereótipo

Esta crise imagética a que se refere Gonçalves (2007), à qual os profissionais de relações públicas tem sido submetidos, pode ser conectada à questão das ilusões nas representações cotidianas, denominadas por Marx como “representações ilusórias” da realidade. Esta denominação diz respeito, na obra de Marx, às questões das divisões do trabalho entre manual e imaginário. De acordo com Viana (2013), o conceito de imaginário aproxima-se da ideologia, pois “expressa as representações cotidianas ilusórias, ou seja, carrega em si todas as características das representações cotidianas e tem como elemento distintivo o seu caráter ilusório”. Neste sentido, então, imaginário e ideologia compartilham o caráter ilusório, embora o primeiro diferencie-se por sua simplicidade em relação à complexidade do pensamento ideológico.
É esta simplificação da realidade que, segundo o autor, conduz a uma representação deformada da realidade e, por conseguinte, das representações sociais. Viana cita como exemplo, neste caso, a teoria darwiniana que se viu reduzida a uma cronologia evolutiva de macacos. Outro exemplo, neste sentido, poderia ser o extenso uso da palavra recalque, um dos conceitos fundamentais da psicanálise desenvolvido por Sigmund Freud em suas teorias comportamentais que, no contexto atual, foi reduzido a um sinônimo de inveja. Viana introduz a partir daí o conceito de ideologema[6], mas que não será aprofundando nesta pesquisa, que oferta, entretanto, luz sobre a questão da representação cotidiana pelo cinema, foco da análise conduzida neste estudo. Como escreve:

“Se até mesmo os “ideólogos passivos” (meros reprodutores) possuem dificuldades em resumir em obras de divulgação científica ou em aulas as ideologias sem provocar uma forte simplificação e em grande parte das vezes sua deformação, então isso é mais difícil e comum no caso daqueles que trabalham com as representações cotidianas. Assim, em um filme se pode repassar a concepção elitista de arte, reproduzindo determinada ideologia, mas sob a forma de ideologema” (VIANA, 2013)

Ora, a representação social é um dos sub-conceitos inerentes à teoria da identidade. De acordo com Santos, a “identidade, enquanto característica singular de um indivíduo que o distingue do outro, implica, paradoxalmente, uma dualidade: a identidade pessoal (ou a identidade para si) e a identidade para os outros” (2005, p. 123). Este processo, porém, não é linear ou estável. Pelo contrário, depende da aceitação individual e coletiva, bem como das mudanças sociais e ambientais que ocorrem ao redor do indivíduo, também sofrendo influências, desta forma, de grupos de referência, valores e expectativas. Por esta razão,

o processo de identidade é um processo dinâmico de interacção entre, por um lado, as características individuais, consciência e os construtos organizados do sujeito e, por outro, as estruturas físicas e sociais e os processos de influência que constituem o contexto social” (SANTOS, 2005, p. 125).

Santos defende que “é no mundo social que a nossa identidade, em última instância, se configura e prevalece”. Logo, a identidade não pode ser vista como uma coisa, mas deve ser considerada como um processo em que reconhecimento, valorização, confirmação e/ou desconfirmação do outro conduzem o indivíduo a uma negociação objetiva e subjetiva das características identitárias que assume.

A perda de determinada identidade social, como, por exemplo, a identidade profissional (ser professora e assistente social), terá repercussões irremediáveis em termos da minha concepção de mim e dos outros, impelindo-me a construir uma nova história de vida, novas relações sociais e influenciando a base ou matriz da minha individualidade. Forçosamente, certas características permanecerão, mas outras surgirão e outras, ainda, desaparecerão para sempre. O ‘eu’ que conhecia até então desapareceria e daria lugar a um outro. E desaparecia, igualmente, uma parte importante das minhas relações sociais, nomeadamente de alguns grupos de pertença e de referência. Se o meu percurso biográfico implicasse uma mudança profissional extrema, teria que me integrar em novos grupos, desempenhar novos papéis, incorporar novas histórias e reformulá-las à luz de novos contextos que implicariam uma reconstrução de identidade (SANTOS, 2005, p. 127).

A instância profissional, neste sentido, também é forte influenciador deste processo e, por essa razão, motivo de especulação de diversos autores. Santos observa que a questão da identidade profissional está ligada não apenas à formação da identidade individual, mas também caracteriza, por si só, um processo distinto de formação e construção. A influência das representações sociais no imaginário coletivo torna-se, aqui, importante ponto de mutação e deslocamento das identidades, vez que, enquanto profissionais, os indivíduos veem-se submetidos a uma outra série de características que podem ou não condizer com aquelas que o formam individualmente. Isso ocorre porque as identidades profissionais, tal como destaca Santos (2005), são formadas para o coletivo, ignorando muitas vezes o individual.
Tendo em vista que as representações sociais são formas simplificadas de ideologias, as identidades profissionais podem ser prejudicadas quando lança-se mão de características generalizantes que tem como objetivo criar uma ideia comum classista. É daí que se vê surgir, em grande parte, a questão dos estereótipos que, claro, também estão sujeitos a mutações com o passar do tempo e a mudança das gerações. O termo descende do grego (“stereos” – sólido, firme; e “typos” – molde ou modelo) e pode denotar, em uma análise livre, que indivíduos, agrupados de forma semelhante por possuírem características em comum, passam a mesma impressão, ou seja, possuem um mesmo “modelo”.
Por possuir um cerne generalista, os estereótipos assumem, comumente, uma prerrogativa negativa, pois podem servir à implantação de sistemas separatistas ou exclusivos, ocasionando depreciação e/ou discriminação de grupos e indivíduos. Por outro lado, podem servir também como ponto de partida do convívio social, já que agilizam a percepção do mundo real, evitando um redescobrimento contínuo das mesmas leis da natureza, como escreve Baccega.

[...] sem essas normas e estereótipos, estaríamos sempre redescobrindo a América e constatando de novo que o fogo queima e pode matar. Isso é o que leva Lippmann a afirmar que há "economia" no estereótipo, que ele pode agilizar a percepção. Aqui temos a conformidade (BACCEGA, 1998, p.8)

A observação, no entanto, deve estar no fato de que essa conformidade nomeada por Baccega, pode tornar-se conformismo. Neste sentido, os estereótipos apenas reforçam ideias que, necessariamente, não são a realidade e que, por sofrerem influências diretas dos aspectos subjetivos de cada indivíduo, podem manifestar-se de forma negativa na sociedade.

O estereótipo, assim como o conceito, é um reflexo/refração específica da realidade - ou seja, reflete com desvios, como um lápis que, colocado em um copo de água, "entorta" -, mas o estereótipo comporta uma carga adicional do fator subjetivo, que se manifesta sob a forma de elementos emocionais, valorativos e volitivos, que vão influenciar o comportamento humano. Ele se manifesta, portanto, em bases emocionais, trazendo em si, como já dissemos, juízos de valor preconcebidos, preconceitos, e atuam na nossa vontade. Nossa cultura está plena de exemplos, entre os quais podemos lembrar os indígenas e os afro-descendentes” (BACCEGA, 1998, p.10)

É nesta valoração dos estereótipos enquanto conceitos que surgem os preconceitos. E, apesar de ficar mais claro nas relações étnicas, este processo pode ser observado em várias instâncias da sociedade, tal como ocorre em relação aos grupos, minorias e, também, no campo profissional. Tem-se que, historicamente, algumas carreiras eram (e são, ainda) consideradas de maior prestígio do que outras, assim como, algumas ocupações possuem menor valoração aos olhos da sociedade. Estas distinções, em acordo ao que nos apresenta Baccega, podem ser consideradas estereotipagem, pois são nada mais do que conjuntos de valores subjetivos e coletivos apresentando-se como conceitos intrínsecos àquelas áreas de atuação. A profissão de Relações Públicas, deste modo, não estaria imune a este processo.
Sistematizada em 1906, pelo jornalista Ivy Lee, nos Estados Unidos, no Brasil a atividade chegou mais tarde, por volta de 1914. Apesar de ser regulamentada, contudo, as Relações Públicas ainda são campo de discussão quando se trata de sua conceituação e definição. É o que aponta Cândido Teobaldo de Souza Andrade com um pouco de ironia.

“Não há escassez de definições – 987 nos Estados Unidos da América em 1952, mas nenhuma delas parece satisfazer completamente... Há tantas definições e conceitos sobre relações públicas quanto há estudiosos, professores, profissionais e admiradores dessa atividade” (1993, p. 29).

Como escreve França (2002), as definições da atividade são, em grande parte, apenas descritivas, funcionais e operacionais, o que não leva ao cerne da atividade.

As definições de relações públicas demonstraram que, por serem nominais e descritivas, não expressam o que são as relações públicas pela sua essência, mas por suas propriedades e pela enumeração de suas diversas funções, estratégias e ações. Em filosofia, diz-se que tais definições são acidentais, isto é, explicam o termo pela descrição daquilo que se reporta a ele, mas de forma acidental, que não o constitui em seu sentido pleno. São, na linguagem filosófica, definições imperfeitas, por não determinarem a essência do que é definido, permitindo que a mesma coisa possa ser definida de muitas outras maneiras, como é o caso das inúmeras tentativas de determinar com clareza o que é a atividade de relações públicas” (França, 2002, p.17)

Se a própria academia, enquanto espaço da construção e multiplicação do conhecimento, padece na tentativa de formar uma definição única para a atividade, quanto mais a sociedade, de uma forma geral, não poderia ser responsabilizada por não saber afinal, do que se tratam as Relações Públicas. É recorrente deparar-se com indagações sobre o que é a atividade, ou o que faz um profissional da área. Mas, é devido a esta falta de unicidade própria daqueles que formam o campo. É por esta razão que se pode inferir que a atividade esteja cercada por um mar de estereótipos criados pelas várias instâncias relacionadas à área, devendo estes estigmas, em parte, também, às produções midiáticas, das quais podem-se citar aqui as telenovelas, que vez ou outra trazem personagens cuja profissão é a de relações-públicas, e o cinema, objeto de apreciação desta pesquisa, que já explorou mais a atividade, embora não com profundidade analítica, como será apresentado adiante.


3 A SÉTIMA ARTE

3.1 Um pouco de história e contexto

A modernidade trouxe uma série de mudanças para o ambiente urbano, o que sujeitou o indivíduo a um bombardeio de impressões, gerando a sensação de desconforto e medo. De acordo com Ben Singer, “como um conceito moral e político, a modernidade sugere o ‘desamparo ideológico’ de um mundo pós-sagrado e pós-feudal no qual todas as normas e valores estão sujeitos ao questionamento” (2004, p. 95). Os principais fatores que levaram o ambiente urbano a um nível maior de caos e super estímulo foram o aumento da população, a intensificação da atividade comercial, a proliferação dos sinais e a nova densidade e complexidade do trânsito.
É neste sentido que Michael Davis, como relata Singer (2004), cunha o termo hiperestímulo para descrever esse novo ambiente que se configurava no final do século XIX. O conceito adotado por Singer expõe bem o turbilhão de novidades e ansiedades que formam a modernidade, à qual a imprensa sensacionalista passa a representar por meio de cartuns que se apropriam dessa imagem que o novo período adquire, retratando a paisagem como um estímulo agressivo, inclusive. Ben Singer ressalta, porém, que a mesma imprensa que critica o novo modelo de sociedade é, também, apologia ao mesmo, por demonstrar fascínio pelo grotesco que relata, e motivo de contradição, por esta razão.

Os retratos da modernidade urbana na imprensa ilustrada parecem flutuar entre uma nostalgia antimoderna de uma época mais tranquila, de um lado, e uma fascinação básica pelo horrível, pelo grotesco e pelo extremo, de outro. As imagens da imprensa ilustrada eram, paradoxalmente, uma forma de crítica social e, ao mesmo tempo, uma forma de sensacionalismo comercializado, uma parte do fenômeno do hiperestímulo moderno que as imagens criticavam (SINGER, 2004, p.110)

A partir de meados de 1905, entretanto, até mesmo o entretenimento passa a ser, também, uma fonte de estímulos – cenas vívidas e cheias de suspensa e ação tornam-se recorrentes no teatro. Singer escreve que “a ‘sensacionalização’ do divertimento comercial foi particularmente pronunciada no melodrama teatral” (2004, p.112).

Enquanto o melodrama vitoriano havia enfatizado o patético e a oratória moralizantes de vítimas inocentes e seus heróis, seu congênere de fim-do-século tornou-se virtualmente sinônimo de ação violenta, acrobacias e espetáculos envolvendo catástrofe e risco físico. [...] enquanto os primeiros melodramas talvez tivessem apenas um clímax espetacular, o melodrama da virada do século passou a acumular uma série de emoções (SINGER, 2004, p.112-113)

E é no centro de todas essas tendências a sensações hiperestimulantes que o cinema nasce/surge. Em 1987, Hermann Kienzl definiria a alma cinematográfica como a própria alma metropolitana[7] – sempre atormentada, curiosa e desancorada, baseada num acúmulo de percepções extremamente rápidas e superficiais. Esse novo entendimento baseia-se, principalmente, nas teorias psicanalíticas da década de 1910, sendo que a sede pelo estranho e pelo novo seriam o principal motivo da aceitação do cinema pela sociedade moderna. Singer chama a atenção para o que Máximo Gorki fez ao situar o novo entretenimento nesse ciclo inflacionário, em que o indivíduo, devido aos anos de hiperestimulação, exige cada vez mais novas excitações. Por essa razão, como argumenta o autor, a sociedade quase que se tornou ‘imune’ aos estímulos da modernidade, tendo no cinema, então, uma espécie de amortecedor sensorial e um super estimulador compensatório.
Enquanto aparato, o cinema foi inventado por Auguste e Louis Lumière. O aparelho nomeado cinematógrafo, e que consistia em uma espécie de três em um, por guardar as funções de gravar, revelar e reproduzir, foi desenvolvido pelos irmãos no final do século XIX, sendo que a primeira exibição oficial foi realizada no dia 28 de dezembro de 1895. Na época, no entanto, os filmes não eram tal como se conhece hoje. As películas não possuíam enredos elaborados, não passando da captação de cenas do dia a dia reproduzidas como tal. Foi com George Méliès que a contação de histórias foi incorporada à produção, por meio de seu filme “Le voyage dans la lune”[8] que, com apenas 14 minutos de duração, encantou o público.
O som foi um dos maiores desafios para as produtoras. Somente em 1926, a Warner Brothers introduziu o sistema Vitaphone, que possibilitou a entrega de filmes com algumas cenas de som sincronizado, aliadas a outras totalmente mudas. Dois anos mais tarde, a companhia lançou seu primeiro filme com som totalmente sincronizado, inaugurando a era dos filmes falados. Ao final de 1929, o cinema já era quase totalmente falado em Hollywood. Concomitantemente a esta transição, o cinema ganhava também sua linguagem própria, tendo como principal contribuinte neste processo o cineasta David Ward Griffith.
O diretor é, especialmente, considerado importante no processo de criação da indústria cinematográfica por importar da literatura a linguagem narrativa, adaptando-a ao aparato cinematográfico. De acordo com Xavier (1984), é Griffith quem traz o gênero do melodrama e, principalmente, trata o cinema como instrumento pedagógico, a fim de levar ao público lições de moral com caráter socioeducativo. Outra contribuição importante, como destaca Xavier (1984), é a introdução das montagens que, em síntese, fornecem sentido à narrativa exposta na tela. O autor expõe que é essa “[...] arquitetura visual que engendra clima e sentido a partir da combinação hábil de detalhes” (1984, p.53-54). É a montagem, assim, que leva o cinema a sugerir

[...] o todo pela parte, a causa pelo efeito, dispondo os dados essenciais na ordem mais conveniente e expressiva, a imagem do mundo se conformando às decisões da figura invisível do narrador que nos oferece as ações e o espetáculo (XAVIER, 1984, p.54).

Outros aspectos inseridos por Griffith na narrativa cinematográfica, para os quais o autor chama a atenção, são os movimentos de câmera, que era fixa até então, a simultaneidade das ações, com direito a cenas que interagem entre uma ação e outra dentro da narrativa, fornecendo a ideia de conflito e/ou tensão, a adoção do primeiro plano e também do plano de detalhe, que oferecem maior impressão de realidade, e a interpretação naturalista, esta importada do teatro e que se configura como um dos fatores relevantes no processo de ilusão cinematográfica, nomeado pelo teórico francês Jean-Claude Bernardet, o que será abordado com maior atenção adiante.


3.2 Linguagem e Narração

Robert Stam, afirma que “os primórdios do cinema coincidiram, pois, justamente com o apogeu do imperialismo” (2003, p.34). O autor defende, inclusive, que o aparato foi uma das ferramentas utilizadas no processo de consolidação do imperialismo ocidental no mundo, já que mostrava a visão do colonizador sobre o colonizado. Para Stam, a história do cinema não pode ser resumida à produção fílmica e seus cineastas, mas está intimamente ligada à história dos diversos significados que os públicos atribuíram e atribuem aos filmes. Isso porque o autor considera que o cinema é um importante meio de comunicação, de veiculação de histórias e criação de identidade.

Se, por um lado, o cinema é mimese e representação, por outro é também enunciado, um ato de interlocução contextualizada entre produtores e receptores socialmente localizados. Não basta dizer que a arte é construída. Temos de perguntar: Construída para quem e em conjunção com quais ideologias e discursos? Neste sentido, a arte é uma representação não tanto em um sentido mimético quanto político, da delegação da voz (STAM, 2003, p. 305)

Bernardet (1980) também defende esta visão. Para o autor, a apresentação do cinema enquanto expressão do real tem a ver com a dominação ideológica. Deste modo, não importaria o cinema, em si, mas o que dizem os filmes, ou seja, seu conteúdo. Daí pode-se somar a ideia de que o cinema se propõe a reproduzir a realidade.

O realismo, um termo surpreendentemente elástico e contestado, ingressa na teoria do cinema sobrecarregado das incrustações milenares dos debates precedentes na filosofia e na literatura [...] O termo ‘realismo’ é confuso, porque esses usos filosóficos primitivos parecem, com frequência, diametricamente opostos ao ‘senso comum’ do realismo – a crença na existência objetiva dos fatos e a tentativa de enxerga-los sem idealizações (STAM, 2003, p.29)

A palavra ‘realismo’ é derivada do grego mimesis, que significa ‘imitação’. A relação com o cinema, então, surgiria a partir daí, já que o cinema é, ou tenta ser, uma imitação da realidade – ou, melhor pontuando, uma percepção natural da lente, ao que Bernardet (1980) nomeia como impressão de realidade. Para Stam (2003), o cinema é herdeiro desse mimetismo, embora haja ainda uma dicotomia entre esse realismo do cinema e sua modernidade, que foi herança dos movimentos das artes na Europa do final do século XIX. Outro ponto para o qual Stam chama a atenção é o fator de democratização do cinema. Como escreve:

Um leitmotiv bastante comum nos primeiros escritos sobre o cinema foi o seu potencial para a democratização, um tema sempre presente com o advento de toda e qualquer inovação tecnológica, como é o caso, contemporaneamente do computador e da Internet (STAM, 2003, p.40)

O cinema foi um grande impulsionador da democratização, assim como a Internet é hoje. Isso porque, conforme o autor, o cinema possibilitava ao mais miserável dos homens viajar a lugares estrangeiros sentado em uma poltrona, em frente a uma grande tela. O que ocorre, atualmente, com o advento da Internet que concede acesso à informação – embora, este acesso ainda seja motivo de controvérsia, vez que a inclusão digital ainda não é uma realidade em todo o mundo. No caso do cinema, entretanto, como aponta Stam, houve uma inovação gigantesca em razão do aparato. Com isso, a partir da tela, o expectador podia ter acesso a culturas de outros lugares, fisicamente, e até mesmo intelectualmente, inalcançáveis para ele.

Assim, alguns prometiam que o cinema reconciliaria as nações inimigas e semearia a paz pelo mundo, ao passo que outros manifestavam um ‘pânico moral’, um temor de que o cinema pudesse contaminar ou degradar o público das classes mais baixas, induzindo-o ao vício e ao crime. Nessas reações, percebe-se a convergência do vulto imponente de três tradições discursivas: (1) a hostilidade platônica às artes miméticas; (2) a rejeição puritana às ficções artísticas; e (3) o escárnio histórico das elites burguesas pela plebe imunda (STAM, 2003, p. 40)

Uma prova dessa rejeição é quanto às produções realizadas fora do grande centro. Stam mostra que os filmes não se restringem à Hollywood, já que a maioria dos longas-metragens produzidos atualmente é originária da Índia. Apesar da produção cinematográfica ter surgido e se concentrado, inicialmente, em países como Grã-Bretanha, França e Estados Unidos, a tecnologia não ficou restrita a estes territórios, dando abertura para os chamados países de terceiro mundo realizarem suas próprias produções e experimentos. Isto, no entanto, não impede que essas produções “alternativas” sejam continuamente ignoradas e desvalorizadas por contrariarem a narrativa clássica. Até mesmo a produção europeia, berço do cinema moderno, tem ficado à margem das grandes salas comerciais.
Houve, contudo, como relata Bernardet (1980), uma ruptura com a linguagem clássica, que pode ser observada nas produções conduzidas por vários países, onde tanto as estruturas de produção, quanto de financiamento, configuravam-se de maneiras distintas àquela praticada em Hollywood. De acordo com o autor, esse “[...] movimento de renovação que se dá ao nível da temática, da linguagem, das preocupações sociais e das relações com o público pode ser datado de 1945, quando começa o neorealismo italiano” (BERNARDET, 1980, p.93). Esse processo não ficou restrito ao solo europeu. No Brasil, essa renovação do cinema encontrou bastante receptividade entre alguns cineastas ainda no final da década de 1940, emplacando várias produções de destaque nos anos seguintes, tais como Rio, quarenta graus (1955), Rio, Zona Norte (1955), de Nelson Pereira, e O grande momento (1958), de R. Santos.
França, União Soviética e Alemanha também deram significativas parcelas de contribuição para esse movimento do cinema novo. Além do despertar de várias outras nações subdesenvolvidas para a produção cinematográfica, tais como Senegal, entre outros países da África negra, Egito, Argélia, México, Chile, Argentina e Cuba. Foi graças a esses movimentos que a linguagem cinematográfica passou por uma espécie de revisão. Pois, como ressalta Bernardet (1980, p.105), “esse cinema afirma-se em oposição ao cinema indústria e ao filme de produtor”. Com relação à linguagem, propriamente dita, o autor afirma que as modificações são enormes, embora no circuito comercial internacional ainda se conserve muitas aproximações, tais como a linearidade da narrativa, a câmera fixa, os planos longos e de detalhe, o flashback e o final clássico. No fim, como escreve Stam:

O cinema é uma linguagem, em resumo, não apenas em um sentido metafórico mais amplo, mas também como um conjunto de mensagens formuladas com base em um determinado material de expressão, e ainda como uma linguagem artística, um discurso ou prática significante caracterizado por codificações e procedimentos ordenatórios específicos (Stam, 2003, p. 132)


3.3 Ilusão cinematográfica e a impressão de realidade

Há quem tome o cinema como lugar de revelação, de acesso a uma verdade por outros meios inatingível. Há quem assuma tal poder revelatório como uma simulação de acesso à verdade, engano que não resulta de acidente mas de estratégia (XAVIER, 2003, p.31)

De acordo com Jean-Claude Bernardet (1980), quando o cinema surgiu a novidade era a ilusão. E foi, justamente, esta ilusão que fez com o público se encantasse pela telona, o que contribuiu para o cinema tornar-se um fenômeno mundial conhecido como a arte do real. O autor rebate esta ideia, justificando que tal afirmação é “forçar um pouco a barra”, já que a imagem cinematográfica não reproduz a visão humana por uma série de questões, tais como campo de visão, percepção e naturalidade das cores. É também ilusão o movimento cinematográfico que, como defende Bernardet, não existe na tela. “O movimento cinematográfico é uma ilusão, é um brinquedo ótico. A imagem que vemos na tela é sempre imóvel” (BERNARDET, 1980, p.18).
A esta tentativa de tornar o cinema uma leitura do real, o autor chama de impressão de realidade. De acordo com o teórico, tratar o cinema como algo natural é o mesmo que dizer que a realidade se expressa por si só na tela.

Eliminando a pessoa que fala, ou faz cinema, ou melhor, eliminando a classe social ou a parte dessa classe social que produz essa fala ou esse cinema, elimina-se também a possibilidade de dizer que essa fala ou esse cinema representa um ponto de vista. Ao dizer que o cinema expressa a realidade, o grupo social que encampou o cinema coloca-se como que entre parênteses, e não pode ser questionado (BERNARDET, 1980, p.19)

Deste modo, nas palavras do autor, o cinema alcança a impressão de realidade por sua capacidade de ocultar à percepção do espectador técnica e aparato por trás da produção, o que resulta no apagamento do emissor. Neste processo o discurso torna-se ‘verdade’, em si mesmo, deixando o espectador com a impressão de uma visão natural como de quem olha para a ‘realidade’. Bernardet observa que a história do cinema, em sua maioria, é o registro da luta pelo ocultamento da narrativa a fim de sustentar a impressão de realidade. “O cinema, como toda área cultural, é um campo de luta, e a história do cinema é também o esforço constante para denunciar este ocultamento e fazer aparecer quem fala” (BERNARDET, 1980, p.17).
Ismail Xavier explica que o processo fotográfico, do qual o cinema é fruto, tem grande poder sobre o observador comum. De acordo com o autor, essa fé na imagem capturada mecanicamente, enquanto evidência da realidade, surgiu com a fotografia, mas foi aprimorada pelo cinema, já que, na tela “as relações entre visível e invisível, a interação entre o dado imediato e sua significação, tornam-se mais intricadas” (XAVIER, 2003, p.33). Isso ocorre devido às novas relações que são criadas continuamente a partir da montagem de uma sequência pela sucessão de imagens e que levam o espectador a “estabelecer ligações propriamente não existentes na tela” (ibid). Por esta razão, o autor ressalta que conquanto aparente, a leitura da imagem não é instantânea. “Ela resulta de um processo em que intervêm não só as mediações que estão na esfera do olhar que produz a imagem, mas também aquelas presentes na esfera do olhar que as recebe. Este não é inerte, pois, armado, participa do jogo” (XAVIER, 2003, p.35)
A ilusão cinematográfica[9] consistiria, então, nessa capacidade do cinema de, a partir do envolvimento da plateia, se assumir como “ponte privilegiada no caminho da compreensão da experiência humana, da assimilação de valores, da explicitação de movimentos do coração” (XAVIER, 2003, p.39). Isto se deve, de acordo com Xavier, à identificação do olhar do espectador com o da câmera, levando o indivíduo a ter um sentimento de que o mundo está realmente emoldurado pela tela. Este olhar, contudo, como sublinha o autor, funciona como um filtro que organiza a aparência das coisas. “Trata-se de um olhar anterior ao meu, cuja circunstância não se confunde com a minha na sala de projeção” (XAVIER, 2003, p. 35). Deste modo, na sala escura o espectador não se dá ao trabalho de fazer a leitura do mundo, já que a apresentação da cena o faz por ele.

“O usufruto desse olhar privilegiado, não a sua análise, é algo que o cinema tem nos garantido, propiciando essa condição prazerosa de ver o mundo e estar a salvo, ocupar o centro sem assumir encargos. Estou presente, sem participar do mundo observado [...] Na ficção cinematográfica, junto com a câmera, estou em toda parte e em nenhum lugar; em todos os cantos, ao lado das personagens, mas sem preencher espaço, sem ter presença reconhecida. Em suma, o olhar do cinema é um olhar sem corpo” (XAVIER, 2003, p.36-37)

Com a proposta de ser um retrato da realidade, o cinema de narrativa clássica contribuiu para a criação e a perpetuação de vários estereótipos na sociedade. Isso porque, em grande parte, o cinema foi utilizado pelo público para acessar e compreender culturas às quais, antes, não se tinha acesso facilitado, como descreve Oroz. “Principalmente nos Estados Unidos, os imigrantes usaram o cinema para compreender o país em que viviam; do mesmo modo, os espectadores do interior viram no cinematógrafo uma forma de “se apoderarem” dos hábitos das cidades” (OROZ, 1999, p. 28). De acordo com a autora, o cinema assumiu, neste sentido, um papel até mesmo de educador, já que a imagem supria os problemas de compreensão com o público que não sabia ler. Isso fica ainda mais evidente no gênero melodramático, adaptado dos palcos para as telas.

A relação melodrama/convencionalismos sociais não é exclusiva do gênero, e sim de toda a produção da cultura de massas. Assim, os significados morais defendidos por ela correspondem a valores patriarcais judaico-cristãos. A defesa destes conteúdos funciona como reafirmação do mundo conhecido e assimilado pelo espectador, o que gera uma familiaridade com o produto. Nesta familiaridade é que se articula a afetividade público/produto (OROZ, 1999, p.29)

É neste sentido que Xavier propõe a análise desta impressão de realidade do cinema, a partir da apropriação do ideal cênico elaborado por Diderot[10]. “Esse teatro, por demais ancorado na palavra, depende da exclusiva força poética do texto, desdenhando o aspecto visual da experiência do palco” (XAVIER, 2003, p.38). De acordo com Xavier, foi com a Revolução Francesa que nasceu o teatro popular, consolidando ao que ele chama de “gênero dramático de massas por excelência: o melodrama” (XAVIER, 2003, p.39). Esta foi a linguagem narrativa importada para o cinema que, com sua técnica e aparato, tornou-se a arte ilusionista mais evidente, já que, mesmo representando a vida comum, promove um distanciamento entre pessoa e personagem, garantindo um espetáculo sem sofrimento real.
Desta forma, como escreve o autor, “a falsidade do cinema clássico está na manipulação implícita em sua montagem, pois o olhar sem corpo e a onividência criam, na tela, um mundo abstrato, de sentido fechado, organizado pelo cinema” (XAVIER, 2003, p. 46). Estes seriam, portanto, os moldes de um cinema clássico que se apropria de discursos que correspondem a apenas uma perspectiva, apresentando-se, todavia, como um retrato da realidade. De acordo com Bernardet, é aí que o cinema alcança essa impressão de realidade, deixando o espectador com o sentimento de que é a própria vida na tela. “No cinema, fantasia ou não, a realidade impõe-se com toda a força” (BERNARDET, 1980, p.13).
Por esta razão, a apropriação do clichê mostra-se um caminho mais fácil para este cinema de narrativa clássica, objeto de análise desta pesquisa. Ora, como observa Sylvie Pierre – francesa crítica de cinema – o clichê não nasceu com o cinema, mas vem do próprio homem, do olhar de cada um. De acordo com Bordwell, “o filme hollywoodiano clássico apresenta indivíduos definidos, empenhados em resolver um problema evidente ou atingir objetivos específicos” (2005, p.278). A composição desses personagens e conflitos, no entanto, como sinaliza o autor, é simplista e superficial, criando protótipos básicos que são, então, ajustados às necessidades de cada papel. Assim, “o personagem mais ‘especificado’ é, em geral, o do protagonista, que se torna o principal agente causal, algo de qualquer restrição narrativa e principal objeto de identificação do público” (BORDWELL, 2005, p.279).
Este processo de delimitação a que os personagens são submetidos é o que gera a criação de estereótipos, como o do vilão e o do herói, tão recorrentes na narrativa clássica cinematográfica. Stella Senra chama a atenção para este mesmo fator. De acordo com ele, a exigência da simplificação provocou no cinema a criação de personagens pouco individualizadas e sem profundidade. Desta forma, as personagens são apresentadas sob uma única face, “aquela que leva em conta o desempenho de uma função, de onde são extraídas as poucas características e qualidades capazes de assegurar o seu reconhecimento como mais um habitante do mundo ficcional” (SENRA, 1997, p.45-46). Para o crítico, todo estereótipo tem origem em algum fato real. O exemplo que Senra usa é o do jornalista retratado pelo cinema clássico como mercenário, que teve essa característica exaltada devido ao fato histórico de sua baixa remuneração que sempre o levava a negociar com o editor.
Em seu estudo sobre estereótipos, o jornalista Walter Lippmann observou que não há na experiência humana visualização comparável àquela proporcionada pela sala escura. De acordo com ele, “não pode haver dúvida de que o cinema esteja construindo constantemente imagens, que são, depois, evocadas” (LIPPMANN, 1922, p.157). Por esta razão que o autor destaca a contribuição da linguagem cinematográfica para a perpetuação de estereótipos. “O que importa é o caráter dos estereótipos e a ingenuidade com que os empregamos” (LIPPMANN, 1922, p.157), argumenta o jornalista. O problema para Lippmann não é o fato de toda a sociedade fazer parte desta codificação, mas a forma como tais códigos apresentam-se.

“Se nessa filosofia, admitimos que o mundo é codificado segundo o código que possuímos, tenderemos a fazer que nossos relatórios do que está acontecendo descrevam um mundo dirigido pelo nosso código. Mas se nossa filosofia nos diz que cada homem é apenas uma pequena parte do mundo, que sua inteligência capta, na melhor das hipóteses, simples fases e aspectos numa rede grosseira de idéias, ao utilizarmos nossos estereótipos, tendemos a saber que são apenas estereótipos, a tratá-los despreocupadamente, a modificá-los prazenteiramente” (LIPPMANN, 1922, p.157)

No caso dos relações-públicas, o cinema também tem contribuído para a perpetuação de estereótipos. Como aponta Frank Davies (2008), frequentemente, o profissional é retratado como alguém pago para promover os interesses de seu cliente, mesmo que isso custe a verdade. O autor observa também que o problema não está apenas na forma como a sociedade vê os profissionais, mas em como estes relações-públicas identificam-se. “They identify themselves as being paid to represent the interests of their client or organization in the most persuasive way possible but do not associate personally with the cause they promote”[11] (DAVIES, 2008, p.3). Para o autor, a afirmação pode até ser sincera, mas é moralmente condenável.
Em uma pesquisa conduzida em 2008, sobre a mudança das representações do relações-públicas no cinema hollywoodiano, Carol Ames verificou que a imagem do profissional melhorou. “Results show that for major films from Mars Attacks! (1996) to Hancock (2008), public relations practitioners are more credible, respected and influential, and PR work is more varied and complex than found in studies of films through 1995”[12] (AMES, 2010, p.164). De acordo com a autora, os profissionais da área sofrem com um sério problema de crise imagética, sendo vistos até mesmo como charlatães que usam um nome que lhes conferem mais prestígio. “There was even serious discussion about whether the term ‘public relations’ was so tainted that it should be abandoned and be replaced with some other term”[13] (2010, p.165).
Tudo isso causado pela abordagem midiática da profissão que, no cinema, ganhou também bastante espaço. Devido a proposta de retratar a realidade, a narrativa clássica contribuiu de várias maneiras para a criação e perpetuação desses estereótipos que, na avaliação de Ames, tanto contribuíram de forma negativa para o conhecimento da profissão, como trouxeram maior clareza sobre a atividade nas produções mais recentes. Contudo, como nota a autora, mesmo trazendo perspectivas distintas e contribuindo, em parte, para uma visão mais positiva da atividade, o cinema ainda é o lugar do senso-comum, perpetuando estereótipos de raça e gênero. “Diversity is not mentioned in the analysis above, because there is none. In these films, PR is still done solely by Caucasians. As previously ([Lee, 2001] and [Miller, 1999]), most practitioners are men”[14]. Outra observação da autora é que o maior desafio para os profissionais, a partir dos resultados apresentados pela pesquisa, são o vício no trabalho (os profissionais são conhecidos como workaholics) e a ética, esta que será a perspectiva fundamental para a análise que se segue.


4 O RP NO CINEMA: ANÁLISE FÍLMICA

4.1 Apresentação das categorias de análise

A análise de filmes é uma prática bastante comum na contemporaneidade. Seja em jornais ou revistas, não é raro encontrar-se nas páginas dedicadas às estreias do cinema alguns parágrafos que tem como objetivo discorrer sobre os filmes em questão. As análises podem abordar desde questões estruturais, referentes à produção e linguagem das obras, até os aspectos mais subjetivos que envolvem, em geral, a experiência do analista. De acordo com Vanoye e Goliot-Lété (1994), esta é uma prática que deve sempre ser situada em seu contexto de demanda, porque a definição do mesmo é indispensável, para o enquadramento da análise.
Nesse caso, o procedimento consiste em retirar dos filmes “informações parciais, isoladas, do filme para relacioná-las com informações extratextuais (biográficas, sociológicas ou históricas, estéticas)” (VANOYE, GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 53). No filme, o real não é apresentado, mas encenado. Isto porque, como escrevem os autores, “o filme opera escolhas, organiza elementos entre si, decupa no real e no imaginário, constrói um mundo possível que mantém relações complexas com o mundo real” (ibid., p. 56).
Nesta proposta, Vanoye e Goliot-Lété (1994), dividem a análise em duas etapas consecutivas. A primeira delas é a decomposição do filme em seus vários elementos. “Parte-se, portanto, do texto fílmico para ‘desconstruí-lo’ e obter um conjunto de elementos distintos do próprio filme” (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 15). De acordo com os autores, é esta decomposição que propicia ao analista um certo distanciamento da obra. “Essa desconstrução pode naturalmente ser mais ou menos aprofundada, mais ou menos seletiva segundo os desígnios da análise” (ibid).
A etapa seguinte é o que se pode chamar de reconstrução orientada do filme e consiste em “estabelecer elos entre esses elementos isolados, em compreender como eles se associam e se tornam cúmplices para fazer surgir um todo significante” (ibid). A reconstrução do filme não tem qualquer ponto em comum com a realização concreta do filme, como destacam os autores. “É uma “criação” totalmente assumida pelo analista, é uma espécie de ficção, enquanto a realização continua sendo uma realidade. O analista traz algo ao filme; por sua atividade, à sua maneira, faz com que o filme exista” (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 15).
Já Metz (1980) propõe a análise de filmes por duas perspectivas diferentes. Na primeira, o interesse do analista seria em observar, estudar e investigar como um código cinematográfico[15] apresenta-se em vários filmes. O autor justifica que esta abordagem, geralmente, está vinculada à investigação da linguagem cinematográfica, já que seu objetivo é verificar as características sintáticas destes códigos estilísticos, suas tendências de relação com outros códigos e suas significações.
À sua segunda proposta, Metz (1980) nomeia como análise fílmica. Nesta abordagem, o filme não é visto de forma fragmentada, mas sim em sua totalidade, pois o objetivo não é estudar individualmente determinado código, mas sim estabelecer um “sistema” para o filme. Isso porque, como observa o autor, "uma seqüência de imagens é igualmente um texto, ou uma sinfonia, ou uma seqüência de ruídos, ou uma seqüência compreendendo, a um só tempo, imagens, ruídos e música, etc" (METZ, 1980, p. 103-104). Neste caso, o analista deve considerar todos os elementos da obra em conjunto, não havendo aspectos mais ou menos importantes, tratando o filme “como uma realização única, isto é, enquanto distinto de qualquer outro filme e mesmo de qualquer outro produto cultural” (METZ, 1980, p. 87).
Nesta pesquisa, por ter-se como tema central a forma como os aspectos éticos da atividade de Relações Públicas são apresentados pelos filmes selecionados, optou-se por adotar uma abordagem mesclada das duas propostas elencadas acima. A análise, assim, conduz-se a partir de um ponto central, sendo este a ética em ação através das ações dos personagens identificados como profissionais de Relações Públicas, o que direciona, de certa forma, para uma desconstrução dos aspectos técnicos do filme, tais como concepção das personagens, linguagem e narrativa utilizadas, conforme o proposto por Vanoye e Goliot-Lété (1994). No entanto, a fim de não tomar a parte pelo todo, considera o “sistema” estabelecido para o filme, buscando sua leitura como um todo e, assim, os possíveis desdobramentos que tais aspectos apresentados da forma como estão dispostos nos filmes implicam na imagem dos relações-públicas na sociedade.
Vanoye e Goliot-Lété afirmam que há limites dentro da análise de filmes, uma vez que o processo de reconstrução pode tornar-se extremamente subjetivo. De acordo com eles, ao se fazer a análise, deve-se “respeitar um princípio fundamental de legitimação: partindo dos elementos da descrição lançados para fora do filme, devemos voltar ao filme quando da reconstrução, a fim de evitar reconstruir um outro filme” (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 15). Esse retorno do olhar ao filme, para os autores, é o que garante os limites da “criatividade analítica”. “O filme é, portanto, o ponto de partida e o ponto de chegada da análise” (ibid). Por esta razão, a fim de limitar a análise e não cair em elucubrações fantasiosas que fujam ao exposto pelos filmes em análise, estabelece-se categorias a ser observadas, sendo estas:

a)    Identificação das personagens enquanto relações-públicas, por meio da verificação do exercício das funções de RP, elencadas por Kunsch (2003), sendo estas as funções administrativa, estratégica, mediadora e política. Não se considera a efetivação das quatro funções, ao mesmo tempo, para tal identificação. Sendo necessárias, no mínimo, duas funções para a consideração;
b)    Caracterização das personagens identificadas como relações-públicas, buscando o delineamento de perfis de comportamento e conduta, sob a perspectiva da construção e adoção de estereótipos, tal como abordado por Baccega (1998), referentes aos profissionais da área, tendo como objetivo esboçar as possíveis representações sociais que estas construções acarretam para o processo de formação de identidade da categoria, conforme exposto por Viana (2013) e Santos (2005);
c)    Problematização dos dilemas éticos apresentados em cena, tendo em vista a conceituação proposta por Leisinger (2001), e a forma como as personagens identificadas enquanto relações-públicas lidam com as situações, tendo em vista a opção realizada pelas mesmas frente às questões impostas.




4.2 Apresentação dos filmes selecionados

4.2.1 “Obrigado por fumar” (Thank you for smoking, 2005)

Baseado no romance de Christopher Buckley (1994), "Obrigado por fumar" (2005) mostra a vida profissional e pessoal de Nick Naylor, interpretado por Aaron Eckhart, um carismático lobista que representa a Academia de Estudos do Tabaco, entidade não-governamental financiada pelo grande conglomerado de indústrias de cigarro dos Estados Unidos. A comédia, dirigida por Jason Reitman, retrata as grandes companhias como organizações do mal que usam experts para influenciar o público, manipulando-o a fim de adquirir seus produtos venenosos. Nick Naylor faz parte daquilo que fica conhecido como Esquadrão MDM (Mercadores da Morte), um grupo de lobistas que inclui, além do protagonista da trama, os representantes dos conglomerados produtores de bebidas alcóolicas e de armas de fogo.
O clima da película é delineado desde o início, com a escolha da canção "Smoke! Smoke! Smoke! (That Cigarette)", escrita por Merle Travis e Tex Williams em 1973. A canção no estilo western satiriza o vício em nicotina, fazendo referências a vários momentos em que o fumante se vê impelido ao consumo de cigarros, a forma como ele se sente aprisionado e a razão de isso o impelir à vontade de assassinar o inventor do produto. Logo em seguida, o espectador é apresentado ao protagonista do filme que é, também, o narrador de sua própria história. Neste sentido, as inferências da narração em primeira pessoa podem ser consideradas marcantes para a história, vez que é por meio delas que Naylor expõe seus pensamentos e, até mesmo, faz breves explanações acerca dos fatos, contextualizando a história.
O filme começa com a participação de Naylor em um programa televisivo, em que todos os convidados são contra o tabaco, incluindo um paciente terminal de câncer de pulmão, com exceção dele próprio. A animosidade do público com relação ao lobista fica evidente, inclusive, devido ao silêncio seguido de vaias da plateia que acompanha o programa dentro do estúdio. Naylor logo expõe suas habilidades com o discurso. Utilizando-se de argumentos inusitados, o lobista consegue modificar a impressão do público quanto aos interesses da indústria do tabaco, tendo como ponto central o não beneficiamento da indústria do tabaco pelas mortes de jovens, como aquele que estava ali a seu lado. Ao final do debate, Naylor é ovacionado pela plateia presente.
Na sequência, o espectador é apresentado às demais personagens centrais da trama, sendo eles chefe de Naylor, Budd "BR" Rohrabacher (J. K. Simons), seu filho Joey Naylor (Cameron Bright), seus colegas de profissão Pool Bailey (Maria Bello), lobista da indústria do álcool, e Bobby Jay Bliss (David Koechner), representante da indústria de armas de fogo, sua ex-esposa Jill (Kim Dickens) e o namorado, o senador Ortolan K. Finistirre (William H. Macy), seu principal algoz por encabeçar uma campanha antitabagista, Doak Boykin (Robertt Duvall), o "capitão". Outras personagens relevantes para a trama são apresentados ao longo do filme, sendo elas a repórter Heather Holloway (Katie Holmes), o ex marlboro-man[16] Lorne Lutch (Sam Elliott) e o produtor de Hollywood Rob Lowe (Jeff Megall).
A despeito do título, nenhuma personagem aparece fumando durante todo o filme, fato que pode ser relevante na construção pretendida para a narrativa. A moral e a ética são um dos pontos centrais de questionamento do filme. Ao longo da trama, vários diálogos incorrem no assunto que é tratado sob várias perspectivas, evidenciando o problema do consumo e do capitalismo. O próprio Naylor justifica sua abordagem profissional, considerada pela opinião pública dentro da trama como inapropriada, com o discurso de que precisa pagar suas contas. Tal argumento é retomado várias vezes ao longo da narrativa, seja na fala das personagens, seja nas ações das mesmas, como é o caso de Lorne Lutch, que aceita o suborno para manter sigilo sobre seu recém diagnosticado câncer.
A todo momento, o poder de persuasão da personagem é colocado em evidência, seja em situações que envolvam ou não sua carreira. Exemplos que corroboram o uso da habilidade para fins distintos são o suborno ao ex cowboy da Marlboro, Lorne Lutch, e as lições de argumentação dadas ao filho Joey, à princípio com dificuldades de desenvolver uma dissertação, mas que acaba por ganhar o prêmio de debates da escola, ao final do filme. A capacidade de Naylor é posta à prova durante seu tenro relacionamento com a repórter Heather Holloway que o manipula a fim de conseguir informações sigilosas sobre sua atuação profissional e o mundo dos negócios por trás das palavras bem-ditas. O lobista vê-se, então, numa saia justa quando todos os segredos vem à tona em uma reportagem assinada pela amante que usa seu mesmo argumento para justificar a publicação da matéria.
Ante à escandalosa exposição dos fatos ocultos da indústria do cigarro, Naylor é dispensado do trabalho de porta-voz da Academia de Estudos do Tabaco e vê-se em uma passageira crise que pode ser interpretada como depressão (a despeito de não haver aprofundamento suficiente no filme que corrobore esta afirmação). Seu filho, muito mais ciente da habilidade e da carreira do pai após acompanha-lo em várias de suas viagens e conhecer mais de perto sua profissão, incentiva-o a voltar à ativa. Fazendo uso de seu dom com as palavras, Naylor dá a volta por cima, expondo a repórter que usou manipulação sexual para conseguir informações, e participando da audiência convocada pelo senador Finisterre, forte ativista contra o tabaco e que conduz uma campanha para rotular as embalagens do produto com o símbolo gráfico referente a veneno.
O lobista novamente cai nas graças do público, por meio da persuasão, o que leva seu antigo chefe a querer recontratá-lo. Mas, em uma virada, Naylor recusa a oferta e abre sua própria companhia onde, provavelmente, promove treinamentos dos altos escalões do business. Diz-se, provavelmente, pois isto não é exposto de forma direta no filme. A última cena da película, no entanto, mostra Naylor em um escritório bem equipado sentado à mesa com três homens bem vestidos e com idade acima dos sessenta anos, dando a impressão de serem altos executivos das indústrias de telecomunicação, fato este evidenciado no diálogo despendido entre o grupo, vez que Naylor os orienta sobre como lidar com perguntas sobre o risco de câncer cerebral devido ao uso de aparelhos de telefonia móvel. A última fala da personagem pode ser considerada um resumo da ideia central da narrativa, sendo esta: “Michael Jordan joga basquete. Charles Manson mata pessoas. Eu falo. Todos tem um talento”.

QUADRO 1 – Obrigado por fumar (2005)
Informações técnicas
Título original: Thank you for smoking
Data de lançamento: Abr/2006
Diretor: Jason Reitman
Gênero: Comédia/Drama
Duração: 93 minutos
Plot
“Comédia satírica que apresenta as maquinações do porta-voz do conglomerado de indústrias do tabaco, Nick Naylor, que defende o consumo do cigarro, enquanto tenta ser um modelo para o seu filho de doze anos de idade”[17]
Personagem-objeto (relações-públicas)
Nick Naylor, lobista e porta-voz do conglomerado de indústrias do tabaco. Seu trabalho é o chamado "spin control”[18]. Em nenhum momento, Naylor é identificado como profissional de relações públicas, mas o exercício das funções política e mediadora tornam-se evidentes na película. É divorciado, pai de um garoto de doze anos e solteiro. Seu trabalho exige constantes viagens e embates com a opinião pública. Vive um momento de contradição com a repórter Heather Holloway (Katie Holmes), por compartilhar segredos de seu trabalho com a jornalista, que acaba expondo-o em uma matéria.
Principais dilemas éticos
A) A flexibilidade moral de Nick
B) A exposição de uma criança
C) O uso do sexo como artifício de beneficiamento
D) O suborno a Lorne Lutch

4.2.2 “Mera coincidência” (Wag the dog, 1997)

Why does the dog wag its tail? Because the dog is smarter than the tail. If the tail were smarter, it would wag the dog.[19]

A legenda que marca o início de “Mera coincidência”, derivada da expressão popular na língua inglesa "the tail wagging the dog"[20], dá o tom do filme produzido e dirigido por Barry Levinson. Baseado no romance American Hero, de Larry Beinhart, o longa-metragem traz Robert de Niro no papel de Conrad Brean, um spin-doctor especializado em gerenciamento de crises políticas. Outro personagem chave da trama é Stanley Motss (Dustin Hoffman), um produtor de filmes de Hollywood que é convocado por Conrad para colocar em prática um elaborado plano a fim de desviar a atenção da mídia e da opinião pública da história de um possível escândalo sexual envolvendo o presidente dos Estados Unidos em plena campanha pela reeleição há poucos dias da votação.
Tudo começa em uma sala de reuniões, aparentemente, secreta. O diálogo que se segue pode deixar o espectador um pouco perdido no início, pois os personagens não narram o ocorrido, apenas discutem estratégias que visam conseguir dois dias de escape nos noticiários. Ao final da reunião, no entanto, pode-se depreender a situação de crise que se estabelece na Casa Branca. Aparentemente, o presidente em exercício, e que concorre à reeleição, teria abusado sexualmente de uma "Firefly Girl", grupo de jovens estudantes menores de idade, que visitava a sede do Governo. Vale ressaltar que o dito presidente não aparece em nenhum momento durante os 97 minutos de filme. Isso tudo ocorre menos de duas semanas antes do dia da eleição.
Para lidar com essa situação, Conrad Brean idealiza uma falsa guerra contra a Albânia, país pouco conhecido popularmente nos EUA, esperando que a mídia se concentre na nova história e deixe o escândalo de lado. Para tanto, o produtor Stanley Motss é contratado para produzir uma guerra de forma completa, o que inclui música tema e uma filmagem falsa de uma órfã fugindo da destruição na Albânia. A CIA (Agência de Inteligência Central) toma conhecimento da conspiração, mas, por meio da argumentação persuasiva, Conrad consegue convencer o agente Young (William H. Macy) de que revelar a fraude acabaria prejudicando os interesses da própria agência. A CIA anuncia o final da guerra, sem desmentir a farsa, o que coloca a equipe de RP em uma sinuca de bicos, quando a mídia volta seus olhos mais uma vez para o escândalo envolvendo a Presidência.
É neste ponto que Motss decide inventar um herói de guerra. O soldado teria sido deixado para trás e, remetendo a ideia de que o homem teria sido descartado como um sapato velho (old shoe, no inglês), solicita ao Pentágono que forneça um homem chamado Schumann (Woody Harrelson). O filme mostra o engajamento da população na história do resgate do soldado, o que inclui a fabricação de camisetas, bottons, música tema (esta produzida para a ocasião, mas introduzida como antiga), além de manifestações de patriotismo. Uma curiosidade é que foram, realmente, compostas várias músicas para reforçar os acontecimentos do enredo. Na pele de Johnny Dean, Willie Nelson, dá vida a várias canções que embalam a trama. Dentre elas, pode-se destacar “I guard the canadian border”, “The american dream”, “Good old shoe”, “Courage Mom”, e “God bless the men of the 303”.
Quando a equipe decide que é hora de apresentar o soldado, no entanto, acaba por descobrir que ele é, na verdade, um criminoso condenado com problemas psicológicos, além de sofrer um acidente no caminho para a base aérea onde o "herói de guerra" seria apresentado. A equipe sobrevive à queda e é resgatada por um trabalhador rural, em situação ilegal nos EUA. Em um comércio de beira de estrada, Schumann tenta estuprar a filha de um fazendeiro que o mata. A saída, então, é encenar um funeral militar, alegando que Schumann morreu devido aos ferimentos sofridos durante seu resgate. Durante todo o filme, a campanha de marketing do presidente é mostrada em flashes, sob o slogan "Don't change horses in mid-stream"[21].
Durante o funeral fictício, mais uma vez, o comercial é veiculado, mas desta vez durante um programa de televisão, em que se discute a efetividade da campanha do presidente, dando crédito à campanha classificada como ruim por Motss. Neste momento, o produtor declara que irá reivindicar os créditos da megaprodução da qual aceitou participar sob sigilo. Brean o avisa que ele está jogando com a própria vida, porém Motss nega-se a retroceder em sua decisão. Brean determina sua morte que, ao final, é apresentada ao público como um infarto. O presidente é reeleito com sucesso e um noticiário reporta um incidente violento na Albânia. O filme, no entanto, não deixa claro se o evento é real ou apenas a continuação da guerra fictícia.

QUADRO 2 – Mera Coincidência (1997)
Informações técnicas
Título original: Wag the dog
Data de lançamento: Dez/1997
Diretor: Barry Levinson
Gênero: Comédia/Drama
Duração: 97 minutos
Plot
“Pouco antes de uma eleição, um “spin-doctor” e um produtor de Hollywood unem esforços para fabricar uma guerra, a fim de encobrir um escândalo sexual presidencial.”[22]
Personagem-objeto (relações-públicas)
Conrad Brean, um spin-doctor de primeira linha, é trazido à cena para tirar a atenção do público de um escândalo envolvendo o presidente dos Estados Unidos, poucos dias antes da eleição, com o objetivo de garantir a permanência do político no Governo. Pouco é revelado sobre o personagem, sua personalidade, relacionamentos, etc. O foco está sobre suas habilidades de manipulação da opinião pública, por meio da criação de fatos, evidenciando as funções administrativa e estratégica, principalmente. Há outros profissionais relacionados à area, tal como Winifred Ames, assessora de comunicação da Casa Branca, além de toda a equipe que participa da trama.
Principais dilemas éticos
A) Stanley deseja receber o crédito pelo sucesso da armação, mas é morto ao invés disso
B) A equipe abusa de imagens visuais e outros estímulos para enganar o público, em geral
C) A equipe tira vantagem da imagem de uma pessoa debilitada de suas faculdades mentais (Sgt. Schumann – Old Shoe)

4.2.3 “Jerry Maguire – A grande virada” (Jerry Maguire, 1996)

Ambientado na década de 1990, o filme de Cameron Crowe narra a história de um agente esportivo que tem uma reviravolta em sua vida. Jerry Maguire (Tom Cruise) é um profissional bem-sucedido que está no auge de sua carreira, trabalhando para uma grande companhia de representação de atletas chamada Sports Management International (SMI). Com 72 clientes em sua carteira e recebendo mais de 200 ligações por dia, logo se tem a percepção de que Jerry é, na verdade, um profissional antiético que não se importa nenhum pouco com as vidas ou famílias dos atletas, mas apenas com suas carreiras.
Isso fica claro quando um de seus clientes sofre uma séria concussão durante um jogo e, durante uma visita ao jogador hospitalizado, Jerry é confrontado pelo filho do atleta. O filho, preocupado com a saúde de seu pai, pede a Jerry que oriente o cliente a parar com o esporte. Mas, de uma forma pouco afetuosa, Jerry responde dizendo que ninguém pode fazê-lo parar de jogar. O filme possui narrativa em primeira pessoa realizada pelo próprio protagonista, o que revela mais sobre a personagem. Inclusive, é o que facilita o entendimento sobre o que ocorre logo no início do filme: uma crise de consciência.
Dois dias após o encontro com o garoto, Jerry ainda está pensando sobre quem ele se tornou e qual o seu lugar no mundo. Deprimido com o resultado de sua vida, ele decide colocar tudo no papel e se sente melhor com isso. O documento a que ele chama de declaração de missão pessoal, "era o que eu sempre quis ser" (Jerry Maguire, 1997). Envolvido pelo momento, ele acaba fazendo mais de cem cópias que são entregues a cada um dos colaboradores da SMI. Na manhã seguinte, Jerry até tenta voltar atrás, mas todos já haviam lido o documento e ele é recebido pelos colegas com uma salva de palmas em nome de sua coragem. Mas, a despeito do reconhecimento, os colaboradores sabem que aquele é o fim de Jerry na companhia.
O que se segue é a demissão de Jerry anunciada por seu antigo protegido Bob Sugar (Jay Mohr), que além de demiti-lo ainda leva toda a carteira de clientes de Jerry junto, deixando o protagonista com apenas um problemático jogador de futebol americano, Rod Tidwell (Cuba Gooding, Jr.). Ao deixar o escritório no final daquela tarde, Jerry anuncia que iniciará um negócio independente, à luz daquilo que escreveu, e conclama àqueles que desejam ir com ele. Somente, Dorothy Boyd (Renée Zellweger), com quem ele acaba desenvolvendo um relacionamento amoroso depois, aceita o convite.
A vida de Jerry continua a desmoronar quando o astro de futebol americano Frank "Cush" Cushman (Jerry O'Connell) também o deixa em benefício da SMI e, após uma discussão, Jerry rompe com a noiva Avery Bishop (Kellly Preston). Sozinho, Jerry aproxima-se bastante de Dorothy e seu pequeno filho Ray (Jonathan Lipnicki) e acaba iniciando um namoro com a viúva. Mas, devido à péssima maré que o negócio de Jerry enfrenta, Dorothy decide mudar-se para San Diego, onde recebeu uma oferta de emprego. Confuso como sempre, Jerry pede-a em casamento mesmo sabendo que não a ama, realmente. Isso fica claro para a audiência, vez que Jerry, muito mais próximo de Rod, conta ao jogador sobre seu relacionamento.
Jerry concentra todos seus esforços na carreira de Rod, que não corresponde em campo. Rod, por sua vez, culpa o agente por não conseguir um contrato longo o suficiente para ele, o que afeta seu desempenho nos jogos. No casamento, tudo vai mal. Jerry esforça-se para ser um pai para o garoto que o conquistou desde o primeiro encontro. Dorothy, porém, acaba por terminar tudo por acreditar que ele não a ama e que isso não seria justo com nenhum dos dois ou sequer com Ray, fazendo com que Jerry mergulhe ainda mais na carreira.
Durante uma Monday Night Football[23], Rod é o destaque da partida, mas sofre um ferimento que parece ser bastante sério. Ele se recupera, no entanto, e mostra seu lado mais carismático para todo o público e a mídia, dançando ao redor do estádio. Após o jogo, Jerry e Rod vivem um momento de amizade em frente às câmeras e aos demais atletas que questionam a razão de não terem um relacionamento sincero e aberto com seus próprios agentes. Jerry, então, viaja de volta para casa para encontrar Dorothy e reatar o casamento. Rod ganha um contrato milionário com o Cardinals, o que garante sua aposentadoria pelo clube, agradecendo a toda sua família e amigos e creditando Jerry pelo sucesso da conquista.
O filme termina com uma cena cômica do jovem Ray arremessando uma bola de beisebol de volta a um campo onde alguns garotos treinam. Surpreendido pelo talento dele, Jerry conversa com Dorothy sobre a possível futura carreira de Ray. Um dos pontos altos do filme é a contínua inserção de comentários feitos por Dick Fox, o mentor de Jerry. Aparentemente, o agente sempre se lembra do veterano com suas frases feitas, mas que carregam boas orientações e dão a tônica do filme que pode ser compreendido como um elogio àqueles que tem coragem de mudar em favor do bem, mesmo que isso implique em vários percalços pelo caminho.

“Hey, I don’t have all the answers. In life, to be honest, I failed as much as I have succeeded. But I love my wife. I love my life. And I wish you my kind of success”[24] (Dick Fox, em Jerry Maguire, 1996).

QUADRO 3 – Jerry Maguire, A grande virada (1996)
Informações técnicas
Título original: Jerry Maguire
Data de lançamento: Dez/1996
Diretor: Cameron Crowe
Gênero: Comédia/Drama/Romance
Duração: 139 minutos
Plot
“Quando um agente de esportes tem uma epifania moral e é impelido a expressá-la, ele decide colocar sua nova filosofia em prática de forma independente com apenas um atleta que permanece com ele”[25]
Personagem-objeto (relações-públicas)
Jerry Maguire é um assessor de comunicação de atletas, identificado no filme como sports agent. Jerry é bem-sucedido em sua carreira, mantendo 72 atletas como clientes. Ele é contratado da SMI, especializada em representar atletas. Jerry tem reconhecimento nacional por seu trabalho, mas por obra de uma crise de consciência acaba demitido e às voltas com apenas um cliente. A personalidade de Jerry mostra-se bastante volúvel durante toda a trama, a depender das situações vividas pelo personagem. Identifica-se o personagem como RP pelo exercício das funções política e mediadora, principalmente.
Principais dilemas éticos
A) A forma como Jerry cresceu em sua profissão
B) O roubo de clientes efetuado pelo colega Bob Sugar, após demitir Jerry
C) A vida amorosa de Jerry
D) A preferência de Jerry em tratar dos negócios referentes a Cush, em detrimento de Rod

4.2.4 “Hancock” (2008)

Hancock é um filme de super-herói que traz uma proposta um pouco diferente daquela que o público já conhece, já que o herói em questão tem um comportamento questionável. John Hancock (Will Smith) mora em Los Angeles e tem um histórico bem ruim com a cidade, já que todas as vezes que decide fazer algo para proteger os cidadãos, acaba dando prejuízos milionários. O filme dirigido por Peter Berg, traz ainda Charlize Theron, Jason Bateman e Eddie Marsan em seu elenco. A história, originalmente escrita por Vincent Ngo em 1996, gira ao redor do herói às avessas que dá nome ao filme: um alcóolatra com superpoderes, que incluem a capacidade de voar, invulnerabilidade e super-força. Por estar sempre embriagado, Hancock não consegue realizar nenhuma boa ação sem provocar danos. Como resultado disso, ele é constantemente escarnecido pelo público, tendo um histórico péssimo de relacionamento com a polícia, inclusive. Hancock também ignora todas as intimações judiciais que já foram enviadas a ele em nome da cidade de Los Angeles.
A vida do herói, no entanto, pode mudar quando ele salva um relações-públicas de um acidente de trem. Após mais uma de suas reuniões em que não obteve sucesso tentando convencer executivos sobre seu selo All-Heart (trata-se de uma proposta de identificar empresas que pratiquem responsabilidade social), Ray Embrey (Jason Bateman) fica preso em uma ferrovia com um trem de carga que se aproxima. Hancock o salva, mas causa o descarrilamento do trem e ainda provoca ferimentos em outro motorista que estava logo atrás de Ray. Por isso, é ovacionado com insultos por todos ali. Ray, porém, toma a frente e agradece ao anti-herói por ter salvado sua vida. Com visão estratégica, o relações-públicas oferece seus serviços para melhorar a imagem de Hancock, que aceita a oferta meio a contragosto.
Por meio de argumentação e um plano estratégico, Ray convence o herói a entregar-se à Justiça para cumprir sua pena, com o objetivo de mostrar a todos o quanto a cidade precisa dele. Após a prisão do herói, a taxa de criminalidade sobe assustadoramente, e ele é convocado pelo chefe de polícia. Agora com um novo traje, dado por Ray, Hancock intervém em um assalto a banco, resgatando um policial e parando o chefe dos ladrões, Red Parker (Eddie Marsan). Após esse episódio, como Ray previra, Hancock torna-se popular na cidade.
O filme sofre uma reviravolta quando Hancock conhece a esposa de Ray, Mary (Charlize Theron), que revela a imortalidade de John e sua amnésia, que já dura 80 anos. O herói também descobre que Mary possui superpoderes. Ele ameaça expô-la, se ela não explicar suas origens. Então, Mary conta a ele que eles vivem há três mil anos e que são os últimos de sua espécie. Ela não conta, no entanto, toda a verdade e Hancock sai para contar a Ray o que descobriu, o que desencadeia em uma luta corporal entre os dois que causa danos significativos ao centro de Los Angeles, onde Ray participa de mais uma de suas reuniões pelo All-Heart. O relações-públicas reconhece a esposa.
Em um assalto a uma loja de bebidas, Hancock é baleado e seriamente ferido, o que deixa a todos surpresos. Mary tem a resposta: quando o par de imortais se aproxima, eles começam a perder seus poderes. Foi o que aconteceu 80 anos antes, quando Hancock foi atacado em um beco e severamente ferido, levando-o a amnésia. Mary, à época, achou melhor abandoná-lo para que ele pudesse se recuperar de seus ferimentos. Ainda no hospital, Red Parker volta para finalizar o trabalho, acompanhado de dois outros criminosos humilhados pelo herói em seu tempo na prisão. Hancock consegue parar dois deles, mas Mary acaba sendo mortalmente ferida por um tiro. Ray entra em cena e mata Parker com um machado de incêndio. Para que Mary possa recuperar-se do ferimento, ferido e sem energia, Hancock esforça-se para se afastar do hospital.
Ao final do filme, Hancock aparece em Nova Iorque, combatendo o crime. E, em gratidão à intervenção efetiva de Ray em benefício de sua imagem, o herói pinta o selo All-Heart na lua, como um elogio à visão de negócio do relações-públicas. O filme acaba com uma cena de perseguição em Nova Iorque, com Hancock encurralando um criminoso. Apesar de não ser centrado na atividade de Relações Públicas, Hancock (2008) é tido como um bom exemplo da indústria cinematográfica sobre a atuação dos profissionais da área. De forma pouco comum, o filme retrata a profissão sob uma perspectiva que pode ser considerada bastante positiva, dando ao personagem titular da atividade até mesmo um tom de idealismo utópico que o torna cômico de certa maneira.

QUADRO 4 – Hancock (2008)
Informações técnicas
Título original: Hancock
Data de lançamento: Jul/2008
Diretor: Peter Berg
Gênero: Ação/Fantasia
Duração: 92 minutos
Plot
“Hancock é um super-herói cujo mau comportamento causa danos na casa dos milhões, regularmente. Ele se transforma quando uma pessoa que ele salva ajuda a melhorar sua imagem pública”[26]
Personagem-objeto (relações-públicas)
Ray Embrey é um relações-públicas qualificado e ético, que encontrou sucesso na profissão e na vida pessoal, sendo um marido e pai feliz. Ele trabalha, principalmente, para organizações sem fins lucrativos e sua visão é a de "salvar o mundo". Ele próprio tenta vender uma ideia batizada de All-Heart, uma espécie de selo para as corporações que possuem consciência social e ambiental. Ao longo do filme, Ray não se deixa abater pelas portas fechadas e sempre mantem uma postura otimista frente a todas as circunstâncias. Ele se mostra bastante persuasivo com seu cliente, o super-herói às avessas John Hancock (Will Smith), e consegue persuadi-lo a mudar sua postura frente à opinião pública. Além de ser nomeado pelo próprio enredo como relações-públicas, Embrey desempenha as funções mediadora e estratégica ao longo da trama, o que permite sua identificação enquanto profissional em exercício.
Principais dilemas éticos
A) A desaprovação dos executivos a quem Ray apresenta a iniciativa All-Heart
B) Ser grato ou não? O salvamento problemático que Hancock faz da vida de Ray
C) A série de danos causados pela atuação problemática de Hancock e as implicações legais


4.5 Apreciação comparativa dos filmes observados

A figura do relações-públicas no cinema tem sido explorada desde os primórdios mesmo que não declaradamente, como é o caso do observado em três dos quatro filmes contemplados por esta pesquisa. O fato é que, como escreve Peña, “o cinema contribui para o modelo ou para o estilo de vida juntamente com outros Media. As mensagens podem repetir-se durante anos, como é o caso da moda do panteísmo New Age ou da ecologia” (2010, p.46). Essa autoridade exercida pela produção midiática, incluindo-se o cinema, como observa a autora, poderia ser tomada como indício da tentativa de formação de uma opinião generalizada ou consensual, o que levaria à dominação de apenas uma voz. “Se acontecesse de tal modo que apenas uma prevalecesse, considerar-se-ia que esta provocaria mudanças tanto na Opinião Pública, como no campo legislativo e educativo” (2010, p.47).
E é esta prevalência que, na visão de Peña, ocasiona a legitimação de valores difundidos. É sob esta perspectiva que a autora nota a função educativa do cinema, uma vez que este “contribui para criar um contexto cultural, e possui um papel educativo e socializador” (PEÑA, 2010, p.52). Isso ocorre, de acordo com a autora, pois a imagem na tela possibilita ao espectador refletir mais e visualizar de forma mais clara do que nos outros meios a mudança social. Em decorrência disto, é que a pesquisadora acredita que o cinema deva ser estudado como lugar de educação, uma vez que “se ampliou o sentido de autoridade a outras personalidades onde a imagem social dos Meios de Comunicação se impôs e ocupou um lugar proeminente" (PEÑA, 2010, p.53). É este questionamento que orienta a presente pesquisa.
Até que ponto o cinema inculca uma imagem do profissional de relações públicas no imaginário coletivo? E que imagem é essa? A partir da análise dos filmes apreciados para a composição deste trabalho, verifica-se vários pontos de semelhança entre as personagens identificadas como profissionais de relações públicas em atividade. Em uma pesquisa conduzida por Cabezuelo e Peinado, em que foram analisados mais de quinze títulos do cinema hollywoodiano que trazem personagens que são identificados como no exercício da atividade de relações públicas, verificou-se que 90% das figuras que representam os profissionais da área exercem "tarefas que não são próprias das relações públicas, e em apenas 30% dos filmes são nomeados explicitamente como relações públicas” (CABEZUELO; GONZÁLVEZ, 2014, p.72).
Para os pesquisadores, isto justifica o fato de a opinião pública ainda ter dificuldades em delinear a atividade. Pois, não é “estranho que o público alheio ao contexto profissional das relações públicas mantenha uma percepção errónea da atividade destes trabalhadores, formada a partir do visionamento destes e de outros filmes" (ibid). De acordo com Terceño, “o cinema tendeu à hipérbole e à construção de estereótipos para facilitar a compreensão das suas mensagens e personagens” (CABEZUELO; GONZÁLVEZ, 2014, p. 253). Por essa razão, o autor considera que se pode presumir “que a imagem que oferecem dos profissionais das Relações Públicas se afaste bastante da realidade, ainda que em alguns casos, a realidade supere a ficção narrativa" (ibid).
Neste sentido, o verificado a partir da análise dos quatro longas, é que os relações-públicas são figuras masculinas, bem apessoadas, seguras de si e que demonstram estar no auge de suas carreiras. Estas características são descritas por Cabezuelo e Peinado (2014) em sua pesquisa. De acordo com o estudo, “um estereótipo frequente é que as relações públicas constituem um sector profissional interessante porque se conhece gente atrativa e excitante, porque se vai a festas e, de um modo geral, porque se tem uma intensa vida social" (CABEZUELO; GONZÁLVEZ, 2014, p.51). Nick Naylor e Jerry Maguire personificam esses estereótipos muito bem.
Apesar dos filmes que os dois protagonizam não manterem seu foco nessa característica em particular, apresentando cenas excessivas de comemorações, entre outras coisas que correspondam imageticamente a este apelo, ambos são apresentados como figuras carismáticas, com muitos contatos e desenvoltura para atividades sociais intensas. Como fica explícito, por exemplo, na sequência em que Jerry passa pelo lobby com Rod Tidwell. No caso de Nick Naylor, pode-se citar o encontro com Jeff Megall (Rob Lowe), um concorridíssimo e bem-relacionado produtor de Hollywood que pode providenciar o que Naylor busca da indústria cinematográfica.
Caldevilla chama a atenção da análise de filmes dentro dos parâmetros dos estereótipos, “já que o cinema como gerador de histórias também se apresenta como demiurgo de personagens e estas como matrizes de figuras profissionais que só possuem um certo grau de correspondência com a realidade” (CABEZUELO; GONZÁLVEZ, 2014, p. 218). Isso porque, o cinema possui, em si, um caráter educativo o que pode levar o público “a esperar que as suas expectativas cinematográficas a respeito sejam cumpridas, incidindo no grau de verossimilitude das personagens e ações do filme a respeito delas” (ibid). Isso se torna, especialmente, perigoso, do ponto de vista de Caldevilla, já que o público não pode ter acesso “ao conhecimento do trabalho dos verdadeiros profissionais, e assim confirmar ou não a veracidade cinematográfica" (ibid).
Conforme a pesquisa conduzida por Cabezuelo e Peinado, a maioria dos personagens em filmes usam artifícios como a deturpação, o exagero e a mentira em seus discursos e argumentações. E isso não se resume, apenas à vida profissional, mas se estende aos relacionamentos. A porcentagem verificada pelos pesquisadores, neste caso, chega a 37,5% dos filmes analisados. E, de acordo com os autores, “em todos os casos, a dita personagem reúne o resto das qualidades: é manipuladora, competitiva e carece de ética profissional” (CABEZUELO; GONZÁLVEZ, 2014, p.64). Além de apresentar uma notável habilidade para enganar as pessoas.
Em contrapartida, tem-se a apresentação diversa do relações-públicas de Hancock. Ray Embrey é desenhado como uma figura extremamente ética e que busca reafirmar os valores de responsabilidade social por meio de sua atuação. O selo criado pelo relações-públicas é um exemplo desse exercício otimista de função. All-Heart traz, em si, a proposta de ajustamento de conduta por parte das empresas. Chega a ser cômica a cena em que Ray explica a um executivo o que a marca representaria. Em termos concretos, nada. Mas, o valor estaria localizado justamente no campo subjetivo. O conceito pode até ser complicado para os leigos e se mostra como uma das barreiras da área que, essencialmente, trabalha com produtos imateriais, isto é, ideias, estratégias, planejamentos, etc.
Qual o sentido, no entanto, de estabelecer uma conexão de humor com a audiência, neste sentido? Não estaria o cinema criando, a partir daí, mais um estereótipo para a categoria? Desta forma, o idealismo poderia, então, ser considerado essa nova marca que começa a surgir nos retratos cinematográficos da profissão. Mesmo que não gere crítica, aos olhos da audiência cria-se uma imagem de um indivíduo que vive fora da realidade do capitalismo em que a sociedade está inserida, atualmente. Um profissional tão ligado ao campo das ideias, que vê sua atuação efetiva como utopia, necessitando da “ajudinha” de um super-herói para conseguir visibilidade à sua marca. Neste sentido, a visão negativa sobre a profissão continua presente na telona, mas apresentada sob outra roupagem.
Do ponto de vista ético, à exceção de Ray Embrey, personagem do filme Hancock (2008), todas as outras apresentam desvios de comportamento em relação a este aspecto. Isso fica evidente tanto nos diálogos, quanto nas decisões tomadas pelas personagens. Pode-se citar como exemplo a forma como Nick Naylor, protagonista de “Obrigado por fumar” (2006), procura incutir em seu filho Joey uma flexibilidade moral – fato este que se manifesta no discurso[27] do próprio garoto, que repete uma frase sempre dita pelo pai na busca por tentar motivá-lo a voltar à atuação, após o escândalo da reportagem que o expôs.
Já em “Mera Coincidência” (1997), Conrad Brean não hesita em criar uma guerra fictícia para encobrir um escândalo envolvendo a Presidência. Desde o início, Brean não esconde sua intenção de manipular a opinião pública por meio da falsificação de fatos. Aliás, chega até a verbalizar[28] isso para a equipe, oito dias antes da eleição. A ação do relações-públicas efetiva-se totalmente arbitrária à ética do relacionamento com a imprensa desde o princípio e, a cada nova situação problema, o profissional não teme em fabricar novos fatos para chegar ao fim desejado, isto é, a reeleição do presidente em exercício.
Jerry Maguire, do filme homônimo, vive uma antítese. Pintado como um profissional arbitrário no início do longa, vivencia uma transformação ao longo da sequência. Sua postura, no entanto, mostra-se confusa e insegura em vários momentos da trama, colocando frente à dilemas éticos para os quais, na maior parte das vezes, ele reage de maneira negativa. De fato, apenas no final do filme, a personagem consegue alcançar a redenção e, realmente, praticar todas aquelas metas pessoais que havia traçado no início da narrativa e que lhe custaram tanto. Como escrevem Cabezuelo e Peinado:

este é um filme que de modo singular purifica a imagem dos RP. Neste sentido, esta fita redime-os através do protagonistas Jerry Maguire que é capaz de enfrentar a política ética de uma grande companhia. Muda de normas éticas e adota os valores mais justos, escapa do sistema estabelecido pelas grandes empresas no campo desportivo e sobrevive profissionalmente criando uma pequena empresa. Ele estabelece os seus próprios princípios e a sua filosofia específica, com as relações interpessoais como eixo central de toda a sua atividade (CABEZUELO; GOZÁLVEZ, 2014, p. 45)

Quanto aos dilemas éticos, elencados nesta pesquisa e apresentados nos quadros referentes a cada filme, passa-se agora a discorrer acerca de cada um e de que forma estes foram solucionados em cada película.

A)   Obrigado por fumar (2004)
      I.        A flexibilidade moral de Nick
O questionamento a que Nick mais é submetido ao longo do filme é sobre a sua capacidade em colocar de lado valores e princípios, a fim de realizar seu trabalho. Ora, Nick representa a indústria do cigarro, o que é problemático, por si só, já que o número de mortes por uso continuado da droga lícita é altíssimo, como o próprio personagem afirma. Para justificar, Nick usa a questão financeira. Mas, a verdade que fica evidente em seu discurso é a flexibilidade moral do relações-públicas, a qual ele não vê como um problema, mas até incentiva o filho a manter a mesma postura na vida.
    II.        A exposição de uma criança
Constantemente, Nick se vê em situações problemáticas envolvendo seu filho. Em busca de melhorar seu relacionamento com o garoto, Nick passa a incluir Joey em várias de suas atividades profissionais, o que se torna perigoso em algumas circunstâncias e pode ser moralmente questionável do ponto de vista da educação que, enquanto pai, está proporcionando ao filho. O lobista tem a oportunidade de consertar essa situação no final do filme, ao rejeitar a oferta de emprego na Academia, sem abrir mão da profissão que tanto domina.
   III.        O uso do sexo como artifício de beneficiamento
Heather Holloway é a protagonista deste dilema. Em busca de um furo jornalístico, Heather coleciona entrevistas sobre a indústria do tabaco. Desde o início, ela deixa claras suas intenções em escrever uma matéria negativa sobre o conglomerado. No entanto, acaba ludibriando Nick por meio de um relacionamento sexual, e obtém informações sigilosas do porta-voz da indústria. Heather o expõe publicamente em uma reportagem, o que deixa Nick sem emprego. Mas, numa reviravolta, Nick usa seu principal dom para alterar a situação, expondo-a publicamente – numa atitude pouco ética, vale ressaltar. Desta vez, é Heather quem colhe os frutos ruins, tornando-se correspondente de metereologia.
  IV.        O suborno a Lorne Lutch
Lorne Lutch é o antigo caubói da Marlboro, consagrada e tradicional marca de cigarros. Diagnosticado com câncer em estágio terminal, devido ao uso contínuo do tabaco, ele ameaça expor o fato à mídia, o que provocaria uma série crise de relações públicas para a indústria. Sendo assim, o chefe de Nick solicita que ele vá até o rancho do caubói e lhe entregue uma quantia alta em dinheiro, quer ele queira, quer não. Para agravar a delicada situação, Nick está acompanhado de Joey, que acompanha de perto a transação e ainda acaba aprovando a atuação do pai no caso.

B)   Mera coincidência (1997)
      I.        Stanley deseja receber o crédito pelo sucesso da armação, mas é morto ao invés disso
O produtor Stanley Motss entrega-se totalmente à fraude planejada pela equipe de relações públicas da Presidência dos Estados Unidos. Em Hollywood, os produtores não recebem reconhecimento, tal como outros profissionais envolvidos na indústria cinematográfica. Quando Motss se depara com um programa de televisão que atribui o crédito da reeleição do então presidente à campanha, por ele considerada, patética, o produtor deseja receber o crédito pelo trabalho executado. O que ele recebe, no entanto, é a morte.
    II.        A equipe abusa de imagens visuais e outros estímulos para enganar o público, em geral
Vários recursos são utilizados com o fim de distrair e enganar a opinião pública. Dentre eles, a produção de imagens falsas de uma suposta jovem albanesa que foge de sua aldeia destruída pelos rebeldes, e a fabricação de músicas para embalar o espetáculo armado pelos relações públicas. Outros dois exemplos são a menina albanesa que espera pela chegada do presidente no aeroporto e o presenteia com o primeiro molho da colheita, e a foto encenada do Sgt. Schumann com uma jaqueta furada em forma de Código Morse, onde se leem as palavras “Courage Mom”. A armação é mantida até o final e fica, até mesmo, confuso para o espectador se a fraude ainda permanece em andamento, com a apresentação de um noticiário em que se fala sobre um incidente violento na Albânia.
   III.        A equipe tira vantagem da imagem de uma pessoa debilitada de suas faculdades mentais (Sgt. Schumann – Old Shoe)
O Sgt. Schumann é um homem com problemas psiquiátricos que se encontra encarcerado em uma prisão militar por estuprar uma freira. Ele é indicado para a equipe de relações públicas, somente devido a sonoridade de seu nome, que lembra “shoe” (sapato, em inglês), o que se adequa exatamente à metáfora do homem deixado para trás. De fato, a equipe só toma conhecimento de sua condição quando o conhece, a caminho do evento que apresentaria o soldado resgatado à população e à mídia. Mas, mesmo sua condição não se mostra impeditivo para a encenação que se segue. Além disso, a despeito do acidente de avião que os deixa isolados em uma área rural, situação que acaba culminando na morte de Schumann, quando este tenta violentar a filha de um local, o espetáculo transcorre, normalmente, com algumas adaptações emergenciais – no caso, um célebre funeral militar.

C)   Jerry Maguire -  A grande virada (1996)
      I.        A forma como Jerry cresceu em sua profissão
Jerry Maguire é um profissional de sucesso no ramo de agenciamento de atletas. Mas, sua postura e comportamento estão longe de ser considerados éticos. Pelo contrário, Jerry é apresentado como um profissional extremamente focado em sua carreira e nos benefícios de seu exercício. Enquanto agente, Jerry não considera as questões pessoais de seus clientes, mas apenas os estimula a dar continuidade em suas atividades a fim de ganhar mais dinheiro e reconhecimento. Isso começa a mudar com a crise de consciência que lhe acomete e a consequente perda de todas suas conquistas profissionais e pessoais. No entanto, é apenas no final do filme que pode ser identificada a real mudança no comportamento do relações-públicas, no abraço sincero que ele troca com seu agenciado Rod Tidwell, após uma partida excelente do jogador de futebol americano.
    II.        O roubo de clientes efetuado pelo colega Bob Sugar, após demitir Jerry
Bob Sugar é agente esportivo, assim como Jerry. O filme dá a entender que o rapaz, visivelmente mais jovem do que Jerry, era o preferido e protegido do protagonista. Mas, é ele mesmo o designado para demitir o colega e amigo, quando este expõe em uma declaração de missão sua visão sobre a carreira deles. Além disso, Sugar encarrega-se de enlaçar toda a carteira de clientes de Jerry, usando mentiras e críticas para desacreditar o veterano. A postura de Sugar é questionada no final por um de seus próprios clientes que vê a sinceridade do relacionamento de Jerry com Rod. O filme passa a impressão de que aquele atleta busca, mais tarde, o agenciamento de Jerry.
   III.        A vida amorosa de Jerry
Em sua despedida de solteiro, Jerry vê-se confrontado por todas suas ex-namoradas em um vídeo produzido por seus amigos. As mulheres falam da falta de sinceridade do agente e de sua necessidade de estar sempre com alguém, mesmo que não tenha sentimentos reais pela pessoa. Isso fica claro quando Jerry decide romper com Avery, sua noiva, dizendo a ela que não a ama. Jerry torna a repetir o mesmo comportamento, mas desta vez com Dorothy. Neste caso, a situação fica um pouco mais complicada em razão do filho da contabilista, Ray, e pelo fato do relacionamento culminar em um casamento real. Jerry casa-se com Dorothy apenas para que ela não se mude para San Diego. Mas, isso se torna um problema na vida do casal, já que Jerry não tem certeza sobre seus sentimentos. O personagem redime-se no final, voltando para casa e reatando o relacionamento com a esposa.
  IV.        A preferência de Jerry em tratar dos negócios referentes a Cush, em detrimento de Rod
Quando Jerry perde o emprego, apenas dois atletas permanecem com ele, Rod Tidwell e John Cushmann. Cush é um astro reconhecido e aclamado pela mídia e isso faz com que Jerry dedique-se muito mais a carreira dele do que a de Rod – um jogador que, inclusive, tem problemas com a mídia devido a sua agressividade. Em um evento esportivo, no entanto, Jerry aparentemente inspirado e motivado, dedica parte de seu tempo a Rod, fazendo prospecções junto a possíveis patrocinadores e estreitando o contato com a mídia. Isso deixa o pai de Cush irritado, levando-o a assinar um contrato com a SMI por intermédio de Bob Sugar. A escolha profissional de Jerry, no entanto, mostra-se acertada quando vários atletas e colegas o parabenizam pelo trabalho desempenhado junto a Rod, que culmina em um contrato satisfatório para o atleta.

D)   Hancock (2008)
      I.        A desaprovação dos executivos a quem Ray apresenta a iniciativa All-Heart
Ray Embrey é um profissional autônomo que, em sua maioria, presta serviços a organizações não-governamentais. O relações-públicas, no entanto, cria um selo que imbuiria as marcas que o usassem de um valor imaterial importante, fazendo referência à consciência ambiental e ecológica e a responsabilidade social. Ele apresenta sua ideia a vários executivos, de várias companhias. Mas, sempre é presenteado com um sonoro não, embalado por risadas de quem não valoriza esse tipo de iniciativa. Ray, no entanto, não desiste de seu ideal de tornar o mundo um lugar melhor. E, ao ajudar Hancock, ele conquista o reconhecimento em forma de seu selo grafado na própria lua pelo super-herói.
    II.        Ser grato ou não? O salvamento problemático que Hancock faz da vida de Ray
Após mais uma de suas reuniões com executivos, Ray se vê fechado em uma ferrovia, com um trem de carga vindo em sua direção. Hancock o salva, provocando uma série de danos, que incluem o descarrilamento do trem e ainda ferimentos ao motorista que prendia o carro de Ray por trás. A reação de todos os presentes é tratar Hancock com hostilidade. O relações-públicas, contudo, vê nisso uma oportunidade e, após agradecer pelo ato do super-herói, oferece seus serviços para ajudá-lo a melhorar sua imagem frente à opinião pública. Os esforços de Ray mostram-se eficazes quando Hancock torna-se popular na cidade.
   III.        A série de danos causados pela atuação problemática de Hancock e as implicações legais
Hancock é um herói às avessas. Sempre que ele decide ajudar, acaba provocando uma série de problemas à cidade. Os danos materiais ultrapassam a casa dos milhares, sem contar nos ferimentos que seus salvamentos acabam provocando aos cidadãos resgatados. Isso resulta em uma série de intimações judiciais, às quais o super-herói não atende. É somente após ouvir a argumentação de Ray que Hancock entrega-se à justiça e é preso. Claro que ele se mantém na prisão por boa vontade e compromisso com seu agente, já que possui várias habilidades com as quais poderia sair dali, rapidamente. Sua boa ação é recompensada com confiança por parte das autoridades, que o “libertam” quando a taxa de criminalidade dispara na cidade.

A exposição dos dilemas éticos a que as personagens analisadas estão expostas em seus respectivos filmes demonstra como os profissionais de relações públicas são constantemente desafiados a se posicionar frente a questões de difícil resolução. O que se pode verificar ante o exposto é, mesmo que os problemas apresentados sejam distintos, em sua maioria a reação dos relações-públicas retratados pelo cinema é a mesma, isto é, uma má postura. Em Jerry Maguire e Obrigado por fumar, vê-se a mudança de atitude dos personagens ao longo dos filmes. Tais transformações, no entanto, quando ocorrem, são gradativas e contínuas, apresentando resultados distintos apenas no final.
No caso do lobista Nick Naylor, vale destacar, a mudança nem é tão grande assim. Na verdade, ele se beneficia muito mais do uso eficaz de suas técnicas de comunicação persuasiva, do que modifica comportamentos. Já Jerry Maguire vive, realmente, a jornada do anti-herói que se redime de todos males no final da película. Em contrapartida, Conrad Brean nem chega a cogitar atitudes éticas. É claro que o filme se apresenta como uma crítica mordaz ao comportamento antiético de profissionais da mídia. No entanto, vale questionar se o estereótipo invocado pela personagem não se tornou tão grande, que ocultou a condenação por detrás da perpetuação desta visão distorcida dos profissionais que atuam na área.
Ray Embrey é a antítese de todos. Otimista, ético, centrado no bem-estar coletivo, e comprometido com a opinião pública, Ray trabalha para a sociedade. Sua atuação junto a Hancock, pode-se inferir, teve motivações além de ajudar o herói, pretendendo beneficiar a cidade como um todo, quando de um super-herói comprometido com o todo. Ele reage bem a todas as situações, inclusive quando descobre que sua esposa é, na verdade, o par de seu cliente. É bom pai, bom marido, consciente e idealista. Ray deseja, mesmo, tornar o mundo um lugar melhor. Um indivíduo que vive uma utopia. Mas, não seria essa, também, uma forma negativa e depreciativa de se retratar a categoria?



5 CONSIDERAÇÕES

Qual o limite entre a total falta de moral e a ética utópica praticada a ferro e fogo? Este é o ponto central deixado pela comparação entre os quatro filmes contemplados em análise por esta pesquisa. Tem-se personagens totalmente opostas que, se colocadas em um só universo, viveriam em profundo confronto, pois não saberiam como lidar umas com as outras. Conrad Brean e Ray Embrey parecem ser os extremos opostos de um só indivíduo. Como ying e yang não se misturam, mas vivem em conflito existencial, a depender do próprio sujeito a escolha que fará, para o bem ou para o mal.
A grande questão é que a vida não pode ser tomada por essa dualidade criada e disseminada pela narrativa cinematográfica da luta entre o bem e o mal. A única dualidade que pode ser contemplada, neste sentido, é aquela proposta por Santos (2005), que diz respeito ao processo de formação da identidade do sujeito. Sendo assim, não há razões para existir um profissional totalmente imoral, assim como não faz sentido que outro seja totalmente ético. O cinema faz pensar assim, pois se utiliza de representações simplificadas de ideais. Isso porque, o aparato não tem a capacidade de ir muito além disso. Sua essência é a representação.
Logo é de se esperar que os estereótipos sejam a base de sua criação. Estes não são de todo ruins. Como observa Baccega (1998), podem ser manifestados na forma de conhecimento prévio, garantindo que não estejamos numa constante descoberta daquilo que já se conhece, ou na forma de juízos de valor preconcebidos – esta sim, uma maneira negativa, vez que gera preconceitos e podem ser usados como forma de discriminação e exclusão sociais. O retrato pintado pelo cinema dos relações-públicas, assim como de todas outras identidades sociais representadas na tela, passa por esse processo e, por isso, não poderia ser tomada como verdadeira.
Ora, a imagem dos profissionais de Relações Públicas, assim como os das demais áreas de atuação, está sujeita a uma série de fatores. A visão de si mesmo dentro de um grupo, a visão do grupo enquanto coletivo, e a visão da sociedade em relação ao grupo são fatores que contribuem e, como exposto por Baccega (1998), influem diretamente na construção dessa identidade. Note-se que, na visão da autora, esta constituição se dá primeiro individualmente, partindo para o coletivo particular e chegando ao coletivo geral para, mais uma vez, retornar à dimensão individual, onde se consolida.
Sem uma definição comum para o próprio campo de atuação, os relações-públicas veem-se, então, imersos num processo ainda mais delicado, no qual a percepção transmitida da mídia e seus produtos acaba assentando-se como mais uma etapa neste processo, influenciando a forma de interpretação da atividade pela sociedade que, por sua vez, constrói em seu imaginário coletivo uma representação social para a profissão balizada nesta intervenção. Neste sentido, o processo observado por Baccega (1998) inverte-se, partindo do generalizante para o individual, criando um problema: afinal, onde ocorre, então, a consolidação?
Necessário é que os profissionais retomem esse processo para si. O campo de Relações Públicas só possui a imagem que está em evidência na sociedade, porque admitiu que a função de definição do que é e o que faz o relações-públicas passasse a outrem. O cinema, então, poderia ser culpado por não buscar a informação, quando esta não é disponibilizada com segurança e clareza por aqueles que a detém? O aparato cinematográfico, além de ser um fruto midiático, busca amparar nas representações sociais a criação de seus produtos.
Apesar de ter a faceta de arte (e aqui, não se busca desmerecer a estética do filme), em si, não possui a capacidade de aprofundamento, não passando de uma representação superficial da realidade complexa, tal como escreve Bernadet (1980). Nesse ato de representar está imbuído um ordenamento em que a realidade é lida, interpretada, fragmentada, reconstruída e, só então, apresentada ao público. Claro, então, é que se perdem muitos aspectos neste processo. Assim, o papel de fiscalizar e fomentar a representação que mais se assemelhe ao grupo deveria ser do próprio coletivo, deste modo.
Vez que o cinema não pode, devido à sua própria configuração, realizar essa busca – e se pode, há limitações, pois ainda que busque, a fonte não está disponível –, os relações-públicas é que deveriam fornecer sua identidade para o aparato, e não o contrário. E o que se vê no âmbito profissional, é a apropriação destas representações cinematográficas pelos próprios indivíduos. Em uma simples busca com palavras-chave relacionadas a essa discussão na Internet, vê-se a validação dos filmes aqui analisados – e considerados como formas de representação pouco representativas da categoria –, chegando ao ponto de serem recomendados aos profissionais como formas legítimas e, até mesmo, ideais de atuação. Isto é nada mais do que cinema definindo a identidade do indivíduo.
O cinema, assim, acaba longe de sua função de problematizar as questões pertinentes à sociedade, fomentando o debate e estimulando a reflexão. Pois, sua pretensão é imitar a realidade e não a construir. A partir do momento que uma categoria permite que a representação feita pelo aparato se torne sua verdade, então há um problema instaurado, porque esse grupo jamais poderá identificar-se, em si mesmo, tornando-se um produto de sua própria produção. Esta pesquisa, por ser curta e limitada, não permite que se valide essa argumentação. Mas, à luz das teorias expostas e dos conceitos abordados, vale como reflexão sobre o lugar em que os relações-públicas se colocaram e até quando permanecerão ali.
Para finalizar estas considerações, reitera-se o valor da ética neste sentido. O cinema, em sua maioria, como demonstrado por Cabezuelo e Peinado (2014) em sua pesquisa, apresentam o RP como um profissional antiético, manipulador e dissimulado. Se os relações-públicas estão legitimando esta imagem, já que não se manifestam contra as produções, então se pode inferir que a profissão está caminhando para um processo de formação de identidade sobre o qual os indivíduos não tem influência. Para Cabezuelo e Peinado, a solução está na formação que deveria vir da academia e não da telona. Só então, a atividade conseguiria configurar-se por suas próprias definições no imaginário coletivo.

Se a formação educativa do profissional das relações públicas fizer da ética e da deontologia um dos seus pilares básicos, pode ser que assentem aí as bases para que a figura do relações públicas goze, no futuro, de uma melhor imagem no cinema e, por fim, também no imaginário coletivo das sociedades contemporâneas (CABEZUELO; PEINADO, 2014, p.53)

A ética é, desta forma, a base para esta retomada. Somente um profissional ético em sua vida e carreira seria capaz de se indignar com a forma como o cinema o retrata. Do contrário, estaria apenas se vendo na tela. Ora, de onde mais viria essa formação senão da academia onde os profissionais aprendem a profissão? Outro problema que se configura, nesse sentido, é a questão da atuação de profissionais com formações diversas em funções que deveriam ser, conforme a legislação indica, ocupadas por relações-públicas. Este fator é histórico, já que a profissão começou com um jornalista, a saber Ivy Lee, atuando como assessor de imprensa. Não se pretende aqui discutir as competências de cada habilitação. São áreas afins e devem ser tratadas como tal. Mas, a formação para cada uma dessas ênfases diverge da outra. O que se dirá, então, daqueles profissionais cuja base provém de outras áreas, tais como Administração, Direito ou mais ainda?
É importante que se faça distinção e que cada profissional ocupe o seu lugar no mercado, a fim de desempenhar as funções pertinentes à sua atividade dispondo do maior número de ferramentas possíveis, assim como possuir conhecimento que balize o uso dessas técnicas e métodos. Só então, os relações-públicas possuirão recursos suficientes para se construir primeiro como indivíduos, depois como categoria e, só então, transmitindo essa ideia de si para a sociedade e permeando o imaginário coletivo com uma representação mais próxima do ideal constituidor de suas profissões, terão firmada a sua identidade. Aí sim, como afirmam Cabezulo e Peinado, consolidados e convictos, poderão ter uma imagem melhor representada, não só na Sétima Arte, mas em todos os produtos e discursos midiáticos.
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[1] Na tradução livre, significa “O público que se dane”
[2] Ética, código de valores, relações públicas e desenvolvimento organizacional – João Alberto Ianhez. Disponível em
[3] Também conhecido como Código de Ética Internacional das RP, foi criado em maio de 1965, durante assembleia geral do Centre Européen des Relations Publiques (CERP), em Atenas, sob a égide da International Public Relations Association (IPRA). A sua autoria deve-se a Lucien Matrat, membro fundador do CERP, e baseia-se nos princípios morais que se referem à dignidade e direitos do Homem enquadrados na “Declaração dos Direitos Humanos”.
[4] O Código Europeu de Conduta Profissional de Relações Públicas, geralmente denominado por Código de Lisboa, possui o nome da capital portuguesa por ter sido nela aprovado, a 16 de Abril de 1978, em assembleia-geral da Confédération Européen dês Relations Publiques (CERP).
[5] Em 1950 a PRSA apresentou o Code of Ethics, que em 1959 transformou em código de conduta profissional - Code of Professional Standards for the practice of PR - tendo sido emendado variadas vezes (em 1963, 1977, 1983 e 1988).
[6] “Um ideologema é uma mutação formal de uma ideologia no sentido de promover sua simplificação e redução, transformando um fragmento da mesma em mensagem ou elemento principal de um discurso, texto, mensagem, etc” (VIANA, 2013)
[7] “A psicologia do triunfo do cinema é a psicologia metropolitana. A alma metropolitana, aquela alma sempre atormentada, curiosa e desancorada, deslocando-se de impressão fugaz em impressão fugaz, é com muita razão a alma cinematográfica.” — Hermann Kienzl, “Theater und Kineimatograph”, Der Strom, v. 1, p. 219-20, 1911-1912; citado em Anton Kaes, “The Debate About Cinema: Charting a Controversy (1909-1929)”, New German Critique, n. 40, p. 12, inverno, 1987.
[8] O filme francês Le Voyage dans la lune (no Brasil, Viagem à Lua e em Portugal, A Viagem à Lua) data de 1902 e foi baseado em dois romances populares de seu tempo: Da Terra à Lua, de Julio Verne, e Os Primeiros Homens na Lua, de H. G. Wells. O filme teve roteiro e direção de Georges Méliès, com assistência de seu irmão Gaston Méliès. Por abordar a questão da vida extraterrestre na película, o cineasta é considerado, inclusive, pai da ficção científica. Outra curiosidade é que, por ser ilusionista, Méliès incorporou alguns efeitos especiais ao filme, sendo também considerado pioneiro neste sentido.
[9] A expressão foi cunhada por Henri Bergson, filósofo e diplomata francês, em sua obra A Evolução Criadora, lançada em 1907. Nesta obra Bergson desenvolve a ideia de uma "criação permanente de novidade" pela natureza, fazendo uma analogia entre o conhecimento humano e o cinema, este que proporciona a ilusão de movimento a partir da sucessão de imagens.
[10] Denis Diderot foi um filósofo e dramaturgo francês, que clamava por um novo formato de tragédia, que mais tarde ficou conhecido como drama burguês.
[11] Na tradução livre: “Eles se auto identificam como sendo pagos para representar os interesses do cliente ou organização que atendem da forma mais persuasiva possível, mas sem se associar pessoalmente com a causa promovida”.
[12] Na tradução livre: “Os resultados mostraram que para grandes filmes, desde Marte Ataca (1996) até Hancock (2008), os profissionais de relações públicas são mais dignos de confiança, respeitáveis e influentes, e o campo de Relações Públicas é mais variado e complexo do que foi verificado nas análises dos filmes feitos até 1995”.
[13] Na tradução livre: “Houve sérias discussão se o termo ‘relações-públicas’ havia sido tão contaminado que deveria ser abandonado e substituído por algum outro termo”.
[14] Na tradução livre: “A diversidade não é mencionada na análise acima, porque não há nenhuma. Nesses filmes, RP é praticada ainda exclusivamente por brancos. Assim como, anteriormente citado ([Lee, 2001] and [Miller, 1999]), a maioria dos profissionais é homem”.
[15] Intitula-se código cinematográfico todo e qualquer procedimento técnico que se traduz em imagem no filme. Tome-se como exemplo o travelling ou a angulação da câmera.
[16] Garoto-propaganda da Marlboro, famosa marca de cigarros.
[17] “Satirical comedy follows the machinations of Big Tobacco's chief spokesman, Nick Naylor, who spins on behalf of cigarettes while trying to remain a role model for his twelve-year-old son” (IMDB, 2016, online).
[18] O “spin” resulta da influência dos profissionais de Relações Públicas (RP) junto dos meios de comunicação no sentido de a mensagem ser focalizada nas questões que mais interessem à empresa ou organização. A função do “spin” é controlar os danos, procurando definir o campo de abordagem, para que os jornalistas transmitam a notícia do ângulo mais favorável possível para a organização.
[19] Na tradução livre, significa “Por que o cão balança o rabo? Porque é mais esperto do que ele. Se o rabo fosse mais esperto, ele balançaria o cão.”
[20] É uma expressão idiomática usada para identificar situações em que uma parte menor ou secundária de algo controla o todo. (Wikitionary, 2016, online)
[21] Este foi o mesmo mote de campanha utilizado por Frank Delano Roosevelt, quando concorria a reeleição em plena Segunda Guerra Mundial. Na tradução livre, significa “Não troque de cavalo no meio da correnteza”.
[22] “Shortly before an election, a spin-doctor and a Hollywood producer join efforts to fabricate a war in order to cover up a presidential sex scandal” (IMDB, 2016, online).
[23] É um programa semanal ao vivo da Liga Nacional de Futebol (NFL) apresentado, atualmente, pela ESPN. Mas, entre 1970 e 2005, o programa ia na ABC
[24] Na tradução livre, significa “Hei! Eu não tenho todas as respostas. Na vida, para ser honesto, eu falhei o mesmo tanto que obtive sucesso. Mas, eu amo minha esposa, amo minha vida e eu desejo a você o meu tipo de sucesso”
[25] “When a sports agent has a moral epiphany and is fired for expressing it, he decides to put his new philosophy to the test as an independent with the only athlete who stays with him” (IMDB, 2016, online).
[26] “Hancock is a superhero whose ill considered behavior regularly causes damage in the millions. He changes when one person he saves helps him improve his public image.” (IMDB, 2016, online).
[27] “É como você sempre diz, pai: se você quer um trabalho fácil, vá trabalhar para a Cruz Vermelha!” – Joey Naylor (Obrigado por fumar, 2006).
[28] "Agora, gente, gente! Este é um trabalho de merda e não é preciso que fantasmas venham do túmulo para nos dizer isso. Mas, se Deus quiser e Jesus esperar, em oito dias, a partir de agora, estarei entregando a vocês, amigos, o segundo mandato" – Conrad Brean (Mera Coincidência, 1997)

Monografia produzida como Trabalho de Conclusão de Curso, da graduação em Relações Públicas, em Janeiro de 2016.

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