Roteiro Adaptado

Título: Chantili

Argumento: Juliana S. Marton
Roteiro: Juliana S. Marton
Cor
Aproximadamente 15 min. – Ficção – Ano 2008
_____________________________________________________________

Sinopse

Chantili, adaptação do conto de Luís Fernando Veríssimo, é uma tragicomédia interessante, que vai do romance ao drama. O filme conta a história de duas amigas – Elizabeth e Marília – que fazem um pacto quando adolescentes, de voltarem ao mesmo local, haja o que houver daí a vinte anos. O reencontro acontece quase que por coincidência, e acaba por provocar a morte de Elizabeth. Depois disso, Marília e o viúvo – Carlos – se casam. O curta-metragem tem 6 seqüências, e baseia-se principalmente no ocasional.

Roteiro

SEQÜÊNCIA 1 – SORVETERIA – INT/DIA

Descrição: Duas amigas conversam numa sorveteria clássica. O lugar é claro e agradável. Tem várias mesas com toalhas claras. Só têm as duas clientes no estabelecimento. Em cima da mesa, duas taças de sorvete pela metade, uma lata(pote) de chantili, e um pote com cerejas.

Cena 1 – O balconista está apoiado no balcão, limpando-o distraído. Marília bate a mão na mesa e levanta. Solta um grito /O balconista se assusta.

Marília:
CERTO! DAQUI A VINTE ANOS NO MESMO LUGAR.

Cena 2 – Elizabeth pensativa passa a mão nos cabelos, e diz quase resmungando.

Beth:
TEREMOS TRINTA E CINCO...

Cena 3 – Elizabeth respira fundo e fala num tom mais forte.

Beth:
MAS ACONTEÇA O QUE ACONTECER NENHUMA DE NÓS PODE FALTAR.

Cena 4 – Marília encara a amiga e grita novamente.

Marília:
AAAH! VAMOS SELAR NOSSO PACTO!

Cena 5 – Marília pára pensativa, e fala quase que pra si.

Marília:
HUUUM... MAS COM O QUÊ?

Cena 6 – Elizabeth interrompe a amiga, e fala assustada e gaguejando.

Beth:
COM... COM... COM SANGUE?

Cena 7 – Marília grita novamente, balançando a cabeça negativamente.

Marília:
NÃO! JÁ SEI...

Cena 8 – Marília fala com ar de mistério.

Marília:
COM CHANTILI.

Cena 9 – Elizabeth faz cara de dúvida, e balança a cabeça com ar de reprovação.

Beth:
TÁ. PODE ATÉ SER.

Cena 10 – Esboçando um meio sorriso, Elizabeth fala em tom quase severo.

Beth:
PARA NUNCA ESQUECER.

Cena 11 – As duas colocam chantili na testa e selam o acordo com uma cereja entre as testas. Música alegre faz o corte.

SEQÜÊNCIA 2 – CASA DE ELIZABETH – INT/DIA

– VINTE ANOS DEPOIS –

Descrição: Um apartamento mediano, muito organizado. Elizabeth tem 35 anos, é uma mulher jovial. Seu marido Carlos tem quase quarenta, mas também aparenta ser mais jovem. Os dois conversam na sala.

Cena 1 – Elizabeth está deitada no sofá sonolenta. Carlos entra com um jornal, sua feição é de preocupação.

Carlos:
BETH, AINDA COM AQUELE MAL-ESTAR?

Cena 2 – Elizabeth se vira para ele, e fala num tom de voz bem baixo.

Beth:
SÓ UM POUCO. MAS JÁ ESTOU MELHOR.

Carlos:
É MELHOR VOCÊ FICAR QUIETINHA HOJE. QUER QUE TE TRAGA ALGUMA COISA, MEU BEM?

Beth:
NÃO. NÃO PRECISA. EU JÁ ESTOU MUITO MELHOR.

Cena 3 – Elizabeth se levanta e pega a bolsa que está em cima da mesinha de centro. Carlos olha a esposa assustado.

Carlos:
AONDE É QUE A SENHORA PENSA QUE VAI NESSE ESTADO?

Cena 4 – Elizabeth olha para ele e dá um sorriso.

Cena 5 – Depois apanha um DVD na mesinha, e acena para Carlos com ele.

Beth:
À LOCADORA. TENHO QUE DEVOLVER ESSE FILME. NÃO SE PREOCUPE AMOR, EU JÁ ESTOU BEM.

Carlos:
TEM CERTEZA?! DEIXA QUE EU LEVO.

Beth:
NÃO, NÃO. EU MESMA VOU LEVAR. VOCÊ ACABOU DE CHEGAR E ESTÁ CANSADO. DEIXA, DAQUI A POUQUINHO JÁ ESTOU VOLTA, TÁ BEM.

Cena 6 – Dá uma piscada para Carlos.

Cena 7 – Elizabeth sai.

Cena 8 – Carlos demonstra certa preocupação, e balança a cabeça em sinal negativo.

SEQÜÊNCIA 3 – LOCADORA – INT/DIA

Descrição: Fim de tarde. A locadora está vazia, exceto pelo funcionário que aparenta ter uns dezessete anos. O jovem está distraído com qualquer coisa, meio sonolento. O balcão é quase rústico e há um telefone vermelho em cima.

Cena 1 – Uma mulher atarantada entra repentinamente no estabelecimento. O funcionário se assusta. A mulher, que é Marília com 35 anos, cumprimenta o rapaz e pergunta meio espantada e ofegante.

Marília:
OI! AQUI NÃO ERA UMA SORVETERIA?

Rapaz:
HUM... HUM... SORVETERIA?

Cena 2 – Suas sobrancelhas levantam, formando um arco.

Rapaz:
NUM SEI NÃO, VIU DONA. O PATRÃO DISSE QUE QUANDO COMPRÔ ISSO DAQUI ERA DEPÓSITO DE ALGUMA COISA... NUM LEMBRO DIREITO. SORVETERIA?

Cena 3 – Faz uma pausa, olha para os lados e continua.

Rapaz:
AAH, SÓ SE FOR HÁ MUITO, MUITO, MUITO, TEMPO... MAS EU ACH...

Cena 4 – Marília corta a fala do rapaz. Agradece seca e cinicamente e despacha o rapaz com um aceno de mão. Depois passa a olhar os filmes.

Marília:
TÁ BOM, TÁ BOM. OBRIGADA.

Cena 5 – O rapaz resmunga qualquer coisa.

Cena 6 – Marília não dá atenção e vai andando para o fundo da loja. Sem perceber começa a pensar em voz alta. Suas falas começam em tom médio e terminam num tom mais alto.

Marília:
COMO SERÁ QUE A BETH ESTÁ? NUNCA MAIS NOS VIMOS OU FALAMOS... EU ACHO MELHOR ELA NÃO APARECER. O QUE VAMOS CONVERSAR?

Cena 7 – Com ar de preocupação e uma expressão maio chorosa ela vai enumerando nos dedos, como quem conta alguma coisa. Seu tom de voz sobe gradativamente.

Marília:
EU NÃO ME FORMEI, NÃO ME CASEI, NÃO VIAJEI, NÃO FIZ NADA! TENHO TRINTA E CINCO ANOS E AINDA NÃO TIVE UMA VIDA!

Cena 8 – O funcionário se assusta com Marília, e indaga.

Rapaz:
QUE FOI, DONA?

Cena 9 – Marília se vira de repente e começa a andar até a porta.

Marília:
HÃ?! NADA NÃO! VOU EMBORA.

Cena 10 – Marília chega até a porta e a abre.

Cena 11 – No instante que Marília abre a porta Elizabeth entra na locadora.

Marília:
OH! DESCULPE.

Cena 12 – Marília levanta os olhos e dá de cara com Elizabeth, então solta um grito.

Marília:
BETH? EU PENSEI QUE...

Cena 13 – Elizabeth se assusta.

Beth:
QUÊ?... (Pausa) QUEM É... (Pausa) OOH!

Cena 14 – Com o susto, Elizabeth perde o fôlego e precisa ser amparada.

Cena 15 – Ela desfalece e Marília a segura.

Cena 16 – Marília grita por ajuda.

Cena 17 – O rapaz vem em seu auxílio.

Cena 18 – O dono também aparece sobressaltado com os gritos e toma à frente da situação, com voz de autoridade.

Descrição: Elizabeth está pálida e gélida.

Dono:
VAMOS DEITAR A MOÇA NO CHÃO! VAMOS! ABRAM ESPAÇO. DEIXEM ELA RESPIRAR!

Rapaz:
É MELHOR CHAMAR UMA AMBULÂNCIA.

Cena 19 – Nesse momento Elizabeth ainda fraca e meio pálida, abre os olhos e tenta acalmar a todos.

Beth:
NÃO, NÃO! EU JÁ ESTOU BEM... (Suspira) É QUE SOU MEIO FRACA DO CORAÇÃO E QUANDO ESSA...

(Marília a interrompe. Foco nas duas)

Marília:
BETH... (Breve pausa) SOU EU!

Cena 20 – Elizabeth desfalece novamente.

Cena 21 – O funcionário corre para o telefone, disca e começa a pedir uma ambulância. Sua voz fica de fundo.

Cena 22 – A câmera pega Elizabeth desmaiada em primeiro plano e o funcionário lá atrás ao fundo.

Rapaz:
ALÔ...

SEQÜÊNCIA 4 – HOSPITAL – INT/NOITE

Descrição: Marília e Carlos estão sentados de frente um para o outro numa sala de espera do hospital. Algumas pessoas andam distraídas por ali e não notam a presença dos dois. Há um balcão e uma enfermeira recostada escrevendo em algumas fichas. Sobre o balcão há um computador, um telefone e um vaso de flores.

Cena 1 – Marília e Carlos conversam bem baixo. Marília aparenta estar abatida e mantém os olhos baixos. Foco nos dois.

Carlos:
MAS... (Breve pausa) DE ONDE É QUE VOCÊS SE CONHECEM MESMO? MARÍLIA... (Outra pausa) PARECE QUE JÁ OUVI MINHA BETH FALAR DE VOCÊ...

Cena 2 – Foco nos dois. Marília levanta os olhos e suspira.

Marília:
... NÓS FOMOS MUITO AMIGAS NO COLÉGIO... (Pausa) NÓS FIZEMOS UMA PROMESSA... UM PACTO, NA VERDADE... (Pausa) DE NOS ENCONTRARMOS NA SORVETERIA... QUE AGORA É UMA LOCADORA, PELO VISTO.

(Carlos demonstra espanto)

Carlos:
COMO ASSIM? VOCÊS TINHAM COMBINADO DE SE ENCONTRAREM HOJE? MAS A ELIZABETH NÃO COMENTOU NADA COMIGO...

(Marília balança a cabeça em sinal negativo)

Marília:
ELA DEVE TER ESQUECIDO... (Franze a testa) SE NÃO ME ENGANO ELA ESTAVA COM UM DVD NA MÃO, NÃO É?!

(Marília passa a mão na cabeça e começa a chorar)

Marília:
É TUDO MINHA CULPA!

(Carlos a consola)

Carlos:
NÃO! NÃO SE CULPE. PELO QUE ENTENDI FOI TUDO OBRA DO ACASO. NÓS ALUGAMOS FILMES ALI HÁ BASTANTE TEMPO. A CULPA NÃO É SUA.

Cena 3 – Alguém se aproxima. Carlos e Marília levantam os olhos e avistam o médico.

Cena 4 – Marília se levanta e vai ao encontro do médico.

Cena 5 – Foco em Marília e no médico.

Marília:
E ENTÃO? COMO ELA ESTÁ?

Médico:
A SENHORA É DA FAMÍLIA?

Cena 6 – Carlos se aproxima e afasta Marília com as mãos. Foco nos três.

Carlos:
NÃO, MAS EU SOU. SOU O MARIDO. COMO MINHA ELIZABETH ESTÁ?

Cena 7 – O médico puxa Carlos de lado. Marília fica ali tentando ouvir.

Cena 8 – Carlos volta e com lágrimas nos olhos dá a notícia a Marília.

Carlos:
... (Engole seco) ELA... ELA... (Começa a chorar) ELA MORREU.

Cena 9 – Marília também começa a chorar e abraça Carlos. Marília grita a plenos pulmões.

Marília:
É TUDO CULPA MINHA!

SEQÜÊNCIA 5 – FUNERAL – EXT/DIA

Cena 1 – Um dia nublado. Várias pessoas estão em volta do caixão. Todos de preto. Marília e Carlos estão em lados opostos do caixão/buraco.

Cena 2 – Carlo olha para frente e vê Marília.

Cena 3 – Marília está chorando e enxuga as lágrimas com um lenço.

Cena 4 – Marília com lágrimas escorrendo pela face olha para Carlos que está com uma expressão séria. Uma música triste faz a trilha da cena.

SEQÜÊNCIA 6 – VISITA AO TÚMULO – EXT/DIA

– DOIS ANOS DEPOIS –

Cena 1 – Panorâmica de parte do cemitério. Uma mulher está sentada junto a um túmulo com um ramalhete de flores nas mãos.

Cena 2 – Close na mulher de costas.

Cena 3 – Mulher de frente. É Marília.

Cena 4 – Mostra Marília e também um homem se aproximando por trás.

Cena 5 – Homem chega até Marília. É Carlos. Fala num tom mediano de voz com doçura.

Carlos:
NÃO SABIA QUE VOCÊ VINHA AQUI.

Cena 6 – Marília olha para cima meio assustada com a interrupção de seus pensamentos.

Cena 7 – Marília reconhece Carlos.

Marília:
CARLOS?!

Carlos:
SIM... (Breve pausa) DESCULPE PELO SUSTO. SE VOCÊ QUISER EU VOLTO MAIS TARDE. NÃO QUERO ATRAPALHAR...

Cena 8 – Marília interrompe.

Marília:
NÃO, NÃO. FIQUE, POR FAVOR.

Cena 9 – Os dois se entreolham. Carlos permanece em pé e Marília sentada. Ficam em silêncio por algum tempo, só observando a lápide.

Cena 10 – Marília quebra o silêncio. Os dois falam sem olhar um para o outro.

Marília:
NEM ACREDITO QUE JÁ FAZ DOIS ANOS... (Suspira) SINTO FALTA DELA...

Carlos:
EU TAMBÉM.

Cena 11 – Eles ficam mais algum tempo parados, só olhando.

Cena 12 – A câmera foca Carlos, que demonstra certa indecisão.

Cena 13 – Num impulso Carlos fala.

Carlos:
SERÁ QUE VOCÊ ACEITARIA TOMAR UM CAFÉ COMIGO?

Cena 14 – Carlos parece estar sem jeito. Marília olha surpresa para ele.

Carlos:
ASSIM VOCÊ PODERIA ME CONTAR AS HISTÓRIAS DE QUANDO VOCÊS ERAM JOVENS.

Cena 15 – Carlos parece estar sem jeito.

Cena 16 – O olhar de Marília demonstra doçura. Ela responde.

Marília:
ACHO QUE PODE SER.

Cena 17 – Agora é Carlos quem está surpreso.

Cena 18 – Marília coloca as flores que antes segurava com cuidado.

Cena 19 – Marília se volta para Carlos.

Marília:
ANTES DE TUDO ELA FOI UMA ÓTIMA AMIGA.

Cena 20 – Carlos olha uma última vez para a lápide e começa a caminhar ao lado de Marília.

Cena 21 – A câmera fecha no casal que caminha lado a lado. Uma música suave faz o fundo. Marília gesticula como alguém que conta algo.

Cena – A câmera que estava no casal faz close no túmulo. Mostra a lápide:

“ELIZABETH A. CARVALHO – ESPOSA AMADA E QUERIDA AMIGA”


Fim

Roteiro elaborado em Junho de 2008.