Divergências enfraquecem aplicação da Lei
As discussões sobre a nova legislação de trânsito culminam em cada ponto de encontro de pessoas e geram desacordo entre as várias camadas da sociedade
Juliana S. Marton
A nova lei de trânsito, que foi outorgada no dia 20 de junho deste ano, estabeleceu tolerância mínima no consumo de álcool por motoristas, e gerou divergentes argumentos na sociedade. Para alguns, é uma medida válida, afinal, desde sua promulgação, o número de acidentes de trânsito provocados por motoristas embriagados diminuiu. No entanto, segundo Cristiane Leão, que é bacharel em direito, ainda não está comprovado que a diminuição dos acidentes foi provocada pela lei, propriamente dita. “O que aumentou foi a fiscalização, o que é bem diferente”, como comenta.
Já o tenente-coronel e comandante do Batalhão Rodoviário da Polícia Militar de Goiás, Márcio Gonçalves Queiroz, afirma que, num primeiro momento houve a diminuição dos índices de acidentes com envolvimento de motoristas alcoolizados. O comandante afirmou que a diminuição se deve à divulgação que a norma ganhou pela mídia, que colocou em questão a aprovação da lei dando enfoque, principalmente, ao rigor da normativa. “Com certeza é um fator inibidor, por causa do rigor da norma”, afirma. O tenente-coronel ainda destaca que dois meses após a promulgação da lei, houve novamente um aumento, entretanto, ainda está abaixo dos níveis anteriores à nova lei.
Todas as camadas da sociedade foram afetadas pela inovação do Código de Trânsito Brasileiro, desde o idoso que segue o conselho do cardiologista e toma um cálice de vinho por dia, ao empresário que vai trabalhar de ressaca por ter bebido na noite anterior, e ao estudante que vai para um bar com os colegas para bater um papo e tomar umas cervejas. A punição é a mesma para todos. Em caso de flagrante, para até dois decigramas de álcool por litro de sangue, além da multa de R$ 955 há também a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) por doze meses, acima da quantidade prevista, a pena pode chegar a três anos de prisão.
Não há variação na pena, deste modo, se um motorista consome um copo de cerveja, ele sofrerá a mesma punição do que outro que esteja visivelmente embriagado. É nesse ponto que, para Cristiane Leão, a norma erra. De acordo com a advogada, a falha já está na forma como a lei é aplicada. Segundo ela, a Constituição Federal diz que nenhum cidadão é obrigado a produzir provas contra si mesmo, como é o caso no teste do bafômetro. Entretanto, para estudiosos, o argumento é frágil, já que o teste é uma forma de comprovar que a pessoa em questão está embriagada e que, por conseqüência, não pode conduzir um veículo.
Em entrevista ao site G1 (www.g1.globo.com), a fisiatra Júlia Greve, do Departamento de Álcool e Drogas da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), afirmou que o teste do bafômetro pode ser exigido pelo policial, desde que este tenha indícios claros da embriaguez do indivíduo. Marcos Pantaleão, advogado da Comissão de Direito de Trânsito da OAB, também em entrevista ao G1, afirmou que o condutor que se recusa a fazer o teste do bafômetro está sujeito a outras penalidades do artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro. Mas, segundo Pantaleão, o teste fere de certa forma o princípio constitucional de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si.
A maior dúvida da população, todavia, foi gerada pelo modo como a lei ficou conhecida. Ao apelidar a norma como Lei Seca, a imprensa, em geral, ao invés de informar criou uma desinformação. Uma Lei Seca é a proibição total do consumo de bebidas alcoólicas, como foi o caso dos Estados Unidos em 1919. O mesmo não ocorre no Brasil, já que a lei, que está presente na norma de trânsito apenas, proíbe a direção de automóveis logo após o consumo de álcool. Contudo, a advogada Cristiane Leão, afirma que é praticamente vedar o consumo da bebida, já que “estamos cada vez mais acomodados, e com isso, dependentes do automóvel”, conclui.
Decisão que virou manifesto contra a lei
Recentemente, o juiz Ricardo Teixeira Lemos, da 1ª Vara Criminal de Aparecida de Goiânia, manifestou sua discordância da nova lei em uma decisão que tomou após um homem ser flagrado dirigindo alcoolizado. O magistrado liberou o rapaz alegando que a prisão do mesmo não foi comunicada pelos policiais encarregados da punição dentro do prazo de 24 horas. Ricardo Teixeira foi, desde então, tido como exemplo por aqueles que são contra a nova legislação. O juiz afirmou que não é desfavorável à repressão de quem dirige embriagado e causa dano, mas contra a punição a quem bebeu socialmente com os amigos e sofre as punições apontadas na lei.
Além disso, o juiz defendeu que o teste do bafômetro é inconstitucional. O caso, claro, ganhou repercussão em toda a mídia, e virou um dos maiores pontos de discussão. A bacharela Cristiane Leão afirmou que o Brasil é signatário de um tratado internacional que veda esse tipo de produção de prova. Ela afirmou também, que o juiz foi muito sábio em sua decisão e que leu o teor em que Ricardo Teixeira faz a anulação da prisão, e concorda plenamente com o juiz de Aparecida de Goiânia. “As garantias já são tão poucas nesse Estado que deveria ser democrático, e as poucas que existem são burladas por leis ordinárias que se chocam com as leis supremas”, explica.
A fiscalização em Goiânia
Alguns policiais ocupam os postos de fiscalização logo de manhã. Outros montam blitz volantes ao longo das rodovias. O objetivo: flagrar motoristas descuidados que insistem em dirigir embriagados, mesmo após a promulgação da nova lei de trânsito que limita ainda mais o consumo de álcool por motoristas. A fiscalização está intensa em Goiânia e em todo o estado, e não há como driblar as penalidades que a norma impõe. Segundo o tenente-coronel Márcio Queiróz, os veículos são abordados de maneira aleatória, apesar de seguir-se um padrão de abordagens. “Isso é feito de forma aleatória, todavia dentro dos critérios que a norma preconiza”, como esclarece.
Outra questão que deixa dúvidas é quanto aos horários de maior incidência de motoristas embriagados ao volante. Segundo o comandante Queiróz, os horários em que há maior probabilidade de serem flagrados motoristas embriagados é o fim de tarde e também durante a noite. “Há muitos eventos no final de tarde. O pessoal está tomando uma cerveja, em alguns locais onde há bebida a disposição”, comenta. Para o militar, é mais provável que hajam flagrantes durante os períodos vespertino e noturno, quando há mais eventos ocorrendo e também maior número de estabelecimentos que oferecem bebidas alcoólicas.
O oficial acrescenta também, que não há um bairro ou uma região com maior possibilidade de presença de motoristas alcoolizados. Segundo ele, o fator depende do que ocorre em determinado local. O comandante Queiroz exemplifica que na região da BR-153, quando há shows na casa de eventos Atlanta Music Hall, a Polícia Militar enfrenta grande problema. “Não há certeza de que certo bairro, ou certa região tem maior ou menor propensão à presença de condutores embriagados, afinal depende tanto de como funciona a parte comercial quanto dos eventos que ocorram no local. Isso realmente é sazonal”, conclui.
Índices de redução em acidentes e atendimentos em alguns estados brasileiros:
• No Recife, a Companhia de Trânsito e Transporte Urbano registrou queda de 30% nas ocorrências no mês de junho.
• No Acre, 30 dias após a promulgação da lei, o número de acidentes envolvendo motoristas alcoolizados caiu 17% comparado ao ano anterior.
• No Rio de Janeiro, o Hospital Couto, registrou uma queda de 14% nos atendimentos a vítimas de acidentes provocados por embriaguez.
• No estado de São Paulo, a diminuição não foi significativa para especialistas, chegando a apenas 1,04% a menos de vítimas fatais nas estradas do estado.
Reportagem elaborada durante a disciplina Laboratório de Jornal Impresso 1, em Setembro de 2008.