apagão
Quem #apagao a luz?Dezoito estados e o Paraguai ficam no escuro devido a uma pane no sistema de distribuição de energia elétrica. Tudo leva a crer que a natureza foi a grande culpada
Por Juliana S. Marton
Pela primeira vez, durante uma tempestade, o fornecimento de energia não acabou no Parque Amazônia, bairro na região sul de Goiânia. Quão grande não foi a minha surpresa ao me deparar naquela noite com a mais nova hashtag do Twitter: #apagao. A novidade no microblog já havia se espalhado há horas quando tomei conhecimento da tragédia que há dez anos não se repetia, batendo o recorde de todos os tempos em apagões no Brasil. Mas, como a tendência é sempre piorar, desta vez 18 estados foram atingidos pelo blecaute que tomou conta do país e do vizinho Paraguai.
A escuridão total começou por volta das dez horas da noite de terça-feira (10) e se estendeu durante, pelo menos, as duas horas seguintes em grande parte do Brasil. A energia só foi de fato restabelecida, em todo o país, após as seis horas da manhã do dia seguinte, quarta-feira (11). Goiás, entretanto, ficou apenas dois minutos no escuro, o que nem foi sentido pela população que assistiu inerte à escuridão que tomou conta de cidades em todo o Brasil. O governo do estado comemorou a prevenção que o sistema de proteção possibilitou aos goianos que não precisaram participar da pane.
O presidente da Celg, Carlos Silva, celebrou a vitória da companhia goiana durante um evento com procuradores do estado que ocorreu no dia fatídico. De acordo com a companhia, apenas dezoito cidades em todo o estado foram atingidas pelo blecaute que durou menos de três minutos – obra do destino, ou não, este foi o mesmo número de estados atingidos. "O Mato Grosso sofreu por horas", lamentou-se o presidente da Celg durante o evento. O governador Alcides Rodrigues também não pode esconder o sorriso diante de tal façanha da Companhia Energética de Goiás. E, desta vez, o apagão foi somente mais um dos assuntos mencionados durante as conversas informais dos goianos.
Em março de 1999, o blecaute atingiu dez estados, inclusive Goiás, e mais o Distrito Federal. Até então, aquele apagão era considerado o maior já enfrentado pelo Brasil. Mal sabia o governo do período que, uma década depois, mais um dos escandalosos blecautes voltaria a aterrorizar o país. Na época, a causa apontada como geradora do desligamento do fornecimento de energia elétrica foi um raio. A descarga elétrica atingiu uma das torres de distribuição em Bauru (SP).
Dois anos mais tarde, em 2001, a população brasileira foi convidada a economizar energia, ou correria sérios riscos de ter que passar por mais um blecaute. Neste momento o país passava por uma crise energética que acabou culminando em uma série de imposições, do então governo de Fernando Henrique Cardoso. A dificuldade elétrica do período obrigou a população a racionar energia, e o horário de verão nunca foi tão bem vindo pelo governo.
Entretanto, as causas do apagão do último dia 10 ainda não foram esclarecidas, já que cada autoridade resolveu apelar para uma justificativa própria. A princípio, o único ponto em que todos os governantes concordam é que a pane tenha sido gerada por quedas de linhas e torres de transmissão provocadas pelo mau tempo. De acordo com o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o blecaute desta semana nada tem a ver com a economia de energia de um dos maiores produtores de energia elétrica que foi realizada em 2001, durante o governo FHC.
Sobre a pane recente, a princípio, o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, atribuiu o blecaute aos ventos e chuvas que afetaram três linhas de transmissão que recebem energia da usina hidrelétrica de Itaipu (PR). Da mesma forma que o presidente Lula, Zimmermann rejeitou a semelhança com o apagão de 2001, que provocou o racionamento de energia no país. De acordo com ele, a situação que o país enfrentou há oito anos, era de falta de energia, mas agora se trata de um problema elétrico.
No meio de tanta desordem, boa parte da população brasileira chegou a ficar mais de duas horas sem nenhum sinal de luz, não fossem os faróis dos carros que passavam pelas ruas. Na região sudeste, o restabelecimento da energia demorou ainda mais, cerca de quatro horas para que as linhas fossem restauradas. A Usina Hidrelétrica de Itaipu, a maior fornecedora de energia elétrica do país, só restaurou completamente sua capacidade de produção após as seis horas da manhã do dia seguinte (11/11).
Todos no escuro:
O apagão que ocorreu na noite do dia 10 e se estendeu até a madrugada do dia 11 assustou moradores de 18 estados e durou mais tempo na região Sudeste. Na maioria dos demais estados, o blecaute durou menos de uma hora. Veja o que aconteceu em cada estado durante o blecaute.
São Paulo – O estado que ficou no escuro por mais tempo, quase 5 horas de breu. Mais de 6 milhões de pessoas tiveram o fornecimento de água prejudicado pelo blecaute. A Polícia Militar do estado recebeu mais de 2.400 ligações, somente na primeira hora do apagão. Muitos pacientes foram transferidos às pressas de hospitais que não possuem gerador.
Minas Gerais – O trânsito ficou confuso, com os semáforos apagados. O governo do estado determinou reforço na segurança. Mil policiais foram chamados para ir às ruas. A segurança também foi reforçada nos presídios e delegacias do estado.
Espírito Santo – No estado, o apagão começou por volta das 22h e terminou após a meia-noite.
Rio de Janeiro - O apagão atingiu todas as estações de abastecimento de água do estado. O atendimento nos hospitais ficou prejudicado. O blecaute facilitou ainda arrastões, como o que ocorreu nas imediações do Maracanã. O Sindicato dos Médicos pedirá auditoria das mortes que ocorreram durante a pane elétrica.
Rio Grande do Sul - Apenas duas cidades foram afetadas pelo apagão. Cerca de 70 mil moradores de São Leopoldo e Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana de Porto Alegre, ficaram sem energia elétrica durante cinco minutos na noite de terça. A situação foi normalizada sem prejuízos.
Pernambuco – De acordo com a Celpe, o blecaute durou 35 minutos e atingiu 36 cidades, deixando 30% do estado sem luz. Devido ao blecaute, agências bancárias ficaram inoperantes não dia 11.
Bahia – O apagão atingiu principalmente o interior do estado, e cidades localizadas nas regiões Norte, extremo Sul e Sertão. O fornecimento foi interrompido por 13 minutos, segundo a Coelba, e foi normalizado por volta das 21h25 (horário local). Salvador e Região Metropolitana não foram atingidas pelo blecaute.
Mato Grosso do Sul – 90% das cidades ficaram sem luz. O sistema de sinalização das ruas ainda estava instável na manhã de quarta-feira (11). Segundo a concessionária que administra o serviço, a energia foi completamente restabelecida antes da meia-noite. O comércio teve que improvisar com lanterna e velas, mas a maioria acabou fechando antes do horário previsto. No estado, dos 78 municípios, 70 ficaram no escuro.
Minas Gerais – O apagão começou na capital mineira pouco depois das 22h. Segundo a companhia energética de Minas Gerais, 20% das casas ficaram sem luz, o equivalente a 110 mil consumidores da capital e Região Metropolitana. No pronto-socorro dos principais hospitais, o fornecimento de energia foi feito por geradores. O blecaute também atingiu o interior do estado e vários municípios ficaram parcialmente sem energia elétrica. Na capital, a Cemig informou que a situação já estava normalizada em todo estado a 00h20.
Santa Catarina – Houve uma oscilação de energia e apenas a cidade de Caçador, no Meio-Oeste, ficou sem energia elétrica por 18 minutos. De acordo com o diretor técnico da Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc), Eduardo Sitônio, este foi o único município catarinense atingido pelo apagão.
Mato Grosso – Ficou 40 minutos sem energia, e como as oscilações foram curtas, várias pessoas não perceberam o apagão. Na Baixada Cuiabana, 20% dos moradores ficaram sem luz. Em todo estado, 240 mil habitantes foram atingidos pelo blecaute. O problema foi resolvido com apoio da Usina de Manso, que atende a região.
Rondônia – O blecaute também chegou ao estado e durou cerca de 15 minutos. Segundo a Eletronorte, 30% do sistema de energia no estado ficaram comprometidos.
Apagão x Blecaute: Praticamente, nada com coisa nenhuma
Um apanhado das semelhanças entre as maiores panes elétricas ocorridas no Brasil
As justificativas para o blecaute da última terça-feira (10) são as mesmas que foram utilizadas em 1999, quando o país foi golpeado por uma queda de energia que afetou toda a população. Confira abaixo a comparação entre as declarações feitas há dez anos pelas autoridades, e as afirmações nas coletivas concedidas na última semana.
1999
"A queda de um raio é fato excepcional. Portanto, não há por que duvidar do sistema elétrico brasileiro. É extremante raro de acontecer, mas lamentavelmente aconteceu." (Rodolpho Tourinho, ministro de Minas e Energia)
"Itaipu está bastante carregada porque estamos economizando a água das bacias do Paraná (...). Com o desligamento de Itaipu, 10 mil megawatts do sistema, que exigia 35 mil megawatts, foram deixados de ser disponibilizados. Isso provocou reação em cadeia e o desligamento funcionou como efeito dominó." (Mário Soares, presidente do Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS)
"Riscos de apagões têm permanentemente em qualquer sistema desse porte." (Firmino Sampaio, presidente da Eletrobras)
"Absolutamente não [Itaipu não teve culpa]. Itaipu desativou as máquinas porque caiu o sistema e a transmissão e aí as máquinas desligaram automaticamente." (Euclides Scalco, presidente de Itaipu)
2009
“Tanto o operador, como Furnas, como todos chegaram à conclusão de que o que aconteceu foram descargas atmosféricas, ventos e chuvas muito fortes na região de Itaberá, em São Paulo, o que provocou um curto cuircuito em três circuitos que levam as linhas de transmissão de Itaipu para Itaberá” (Edison Lobão, ministro de Minas e Energia)
"Temos o sistema todo interligado. Nesses sete anos [de governo], em termos de linhas de transmissão, fizemos 30% de tudo que já foi feito" (Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República)
“Não é propriamente a minha área de atuação, mas podemos dizer que isso foi um microproblema, perto das grandes questões que já foram solucionadas pelo governo no país” (Tarso Genro, ministro da Justiça)
"Nunca tinha acontecido [o problema em] cinco grandes linhas de transmissão de maneira simultânea. A caída da totalidade foi a primeira vez. Tirar 14 mil megawatts de potência de um segundo para outro causa um desconforto enorme ao sistema" (Jorge Samek, diretor-geral de Itaipu)
Não fique no prejuízo!
Quem sofreu perdas materiais por causa do apagão pode recorrer junto ao Procon (Superintendência de Proteção aos Direitos do Consumidor) de cada estado. De acordo com a assessoria nacional do órgão, todos os consumidores que tiveram equipamentos danificados ou serviços perdidos devido ao blecaute têm o direito de ser ressarcidos.
É importante que a população fique atenta às dicas do Procon, para não errar na hora de reivindicar seus direitos junto às companhias de energia. O principal alerta do órgão é que o consumidor tenha em mãos a nota fiscal do produto e/ou serviço adquirido que foi prejudicado. Antes de tudo, entretanto, deve-se fazer uma reclamação formal por meio do serviço de atendimento ao cliente da empresa de distribuição de energia.
Além disso, o consumidor tem que exigir um protocolo da reclamação, a fim de provar que a mesma foi registrada e a empresa notificada. As evidências, nesses casos, são as melhores amigas do contribuinte, que deverá guardar o maior número possível de detalhamentos e comprovações sobre o problema ocorrido.
De acordo com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), em casos de eletrodomésticos que foram danificados, o consumidor tem até 90 dias para informar a companhia sobre os danos causados pelo blecaute. Já a empresa, tem dez dias a partir do dia da comunicação com o cliente, para fazer a vistoria do equipamento. Após a vistoria, mais 25 dias para informar o consumidor a resposta e consertar o aparelho ou ressarcir o valor equipamento.
Paraguai: 2 apagões em uma só noite
O blecaute que ocorreu no Brasil não se limitou às fronteiras do país do futebol, mas ultrapassou os limites da Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu e foi parar no Paraguai. O país que, recebe quase 85% de sua energia da hidrelétrica, também ficou no escuro. Entretanto, o impacto do apagão foi expressivamente mais rápido do que o que ocorreu em território brasileiro. O blecaute durou entre 15 e 25 minutos apenas.
Se os paraguaios comemoraram a opção de conectar-se com a usina de Yaciretá (hidrelétrica binacional paraguaio-argentina), a alegria não durou tanto assim. O problema ocorreu quando, dois minutos após a desconexão com Itaipu, a interconexão do sistema paraguaio com Yaciretá também ficou fora de serviço. Contudo, apesar do rápido blecaute, a população paraguaia não se incomodou muito, já que está acostumada a vários mini-apagões, que ocorrem devido à idade avançada do equipamento do sistema elétrico do país.
Reportagem elaborada para a disciplina Oficina de Testo de Revista em Novembro de 2009.