A severa frase é do engenheiro civil
Marcos Rothen, mestre em Transportes e professor titular do Instituto Federal
de Goiás (IFG). Mediante o atual e acalorado debate sobre a mobilidade urbana,
e as obras de intervenção que vem sendo realizadas pela Prefeitura de Goiânia
na capital, a dúvida sobre o que deve ou não ser feito permanece. Agora, com a
implantação de ciclovias e ciclofaixas pela capital, a discussão promete ficar
ainda mais quente. O prefeito Paulo Garcia promete que, até o final de seu
mandato, no ano que vem, os trechos cicloviários somem 140 km em toda Goiânia.
Para aprofundar mais a questão, o Tribuna conversou com o professor Rothen, que
expôs a falta de planejamento na execução desse processo. Confira.
Juliana Marton
Editoria de
Comunidades
O problema
da mobilidade em Goiânia não é de hoje. Desde o ano passado, a Prefeitura está
investindo na implantação de corredores preferenciais e exclusivos para o
transporte coletivo. E outras obras devem ser realizadas nesse sentido. Com o
que já temos de resultados, qual a análise que o senhor faz desses projetos?
Na verdade, a Prefeitura está investindo em faixas
prioritárias para o transporte coletivo a direita da via. Esse tipo de
facilidade é muito barato para implantação (basicamente se pinta as faixas e
coloca as placas), mas traz muitos inconvenientes para a população, como
restrição de parada de veículos e acesso as atividades comerciais e não traz
grandes ganhos de velocidade para os coletivos, pois nesses casos é permitido
que os demais veículos entrem na faixa para conversão à direita, acesso as
garagens, etc. Nenhum dos três corredores implantados incentivou as pessoas a
andarem de ônibus, deixando o carro em casa. Todos eles transportam, hoje,
menos passageiros que antes. Normalmente, os ônibus perdem mais tempo nas
paradas para embarque/desembarque dos passageiros e nos semáforos do que no
trânsito.
Goiânia já
tem uma experiência com o BRT, na avenida Anhanguera, que foi implantado, de
fato, em 1993, quando foram construídas as plataformas elevadas. São mais de
vinte anos, dos quais podemos obter uma série de questões. Agora, em 2015, foi
dado início à construção de um novo corredor, o chamado “Goiás Norte/Sul” que,
de acordo com a Prefeitura, vai beneficiar 120 mil usuários. O senhor acredita
na efetividade desse serviço? Do que o novo BRT vai depender para ser
eficiente?
O Eixo Anhanguera foi um dos primeiros corredores
implantados utilizando o centro da via, junto com Curitiba, esse modelo hoje é
copiado no mundo todo. Um BRT pode transportar grande volume de passageiros com
baixo custo de operação, mas necessitando de um investimento inicial bem maior
que o das faixas à direita. O Goiás Norte/Sul enfrentará muitas dificuldades
para se consolidar, pois na parte norte – Av. Goiás Norte – a demanda será
pequena não compensando os custos. Na parte sul, ele precisa ter muito cuidado,
principalmente tendo prioridade nos semáforos para ganhar velocidade para
atrair os passageiros. Hoje, a via que é mais utilizada pelos passageiros é a
Avenida 85 e não a Avenida 90 onde o corredor vai ser construído.
Outra
intervenção adotada pela Prefeitura, é a implantação de ciclovias em algumas
avenidas de Goiânia. Qual a sua leitura do projeto?
Ao contrário de todos os outros lugares do mundo,
as cidades brasileiras, e não só Goiânia, estão implantando facilidades para
bicicletas antes de educarem as pessoas para conviverem com esse modal que é
utilizado desde sempre, mas informalmente. Em outros países, antes de
implantarem as ciclovias, são feitos longos trabalhos com os moradores,
comerciantes, pedestres, motoristas e ciclistas para que todos aprendam a
conviver harmoniosamente. Aqui em Goiânia, as ciclovias implantadas estão
servindo mais como enfeite do que como via para os ciclistas. Antes disso,
tinha que ser feita uma regulamentação, inclusive com obrigações para os
ciclistas que acabam se envolvendo em acidentes com os mais fortes, carros, e
atropelam os mais fracos, pedestres.
Na T-63,
temos uma ciclovia que é inoperante. Fica no canteiro central da avenida e, com
os jamelões, torna-se escorregadia e inapropriada para o uso, até mesmo. O que
faltou ali e o que poderia ser feito?
Como não foi feito um estudo sobre como as pessoas
usariam a ciclovia e sim foi implantada apenas para dizer que Goiânia tinha
ciclovias, ela não apresentou resultados. E se estivesse sendo utilizada, ela
traria enormes riscos e problemas para os ciclistas. Pois, não tem continuidade
e é interrompida em lugares problemáticos onde o volume de carros é intenso e
não dão oportunidade para os ciclistas.
O uso de
bicicletas como meio de transporte já foi bastante cultural em Goiânia, há
algumas décadas. Hoje, no entanto, temos a cultura do carro e da moto. O senhor
acredita que essas obras serão suficientes para mudar uma mentalidade social?
A bicicleta sempre foi muito utilizada, era barata
e fácil de usar. Mas, à medida que as cidades foram crescendo sua participação diminuiu.
O carro fascina as pessoas. E, como as motos não tem que respeitar muitas
regras, aqui no Brasil, elas acabaram substituindo as bicicletas, mas com muito
mais risco tanto para os motociclistas quanto para os demais usuários da
cidade. Assim, as obras são apenas um pequeno detalhe. Antes devemos ter
regras, educação, conscientização e fiscalização.
A realização
de ações educativas seria eficiente, neste sentido?
As campanhas educativas são fundamentais em
qualquer processo, mas são apenas o início de tudo. Precisamos ainda de
prevenção, fiscalização presente e punição para os que não se adequarem. Quanto
à fiscalização, precisamos de agentes presentes inibindo os que pretendem
desrespeitar as regras.
Um dos
problemas relatados pela maioria dos ciclistas é a descontinuidade das vias. A
Prefeitura de Goiânia prevê essa interligação, criando um sistema de fato, a
médio e longo prazo. Mas, atualmente, não existe um Plano Cicloviário para a
cidade, sem o qual, não se pode determinar a quantidade de ciclistas ou a
demanda das vias que são mais utilizadas pelos mesmos. Há incoerência na sua visão?
Para fazer qualquer coisa a Prefeitura deveria,
como primeiro passo, estudar o problema. Precisa verificar quem são os
ciclistas, de onde e para onde eles vão, como eles se locomovem. É preciso ver
se as vias em que eles irão trafegar é adequada. Na ciclovia da Avenida 10, tem
uma subida enorme que raramente alguém consegue transpor. E, na descida, os
ciclistas atingem grandes velocidades colocando em risco os pedestres.
O modelo de
vias compartilhadas, em que o respeito dos motoristas abriria a faixa para os
ciclistas, é possível de ser alcançado em Goiânia?
Muito difícil. Goiânia se espalhou muito, as
distâncias percorridas são cada vez mais longas. Temos vários centros, ao
contrário das cidades europeias que são antigas e onde as áreas centrais tem
restrição de espaço. Aqui temos avenidas largas no centro da cidade. Nas
cidades europeias, os carros nos centros das cidades já não desenvolviam
grandes velocidades, assim a diferença entre andar de carro e de bicicleta não
tem muita diferença. Goiânia, embora tenha muitos gargalos, é uma cidade
construída para os carros. E, adicionalmente, aqui temos um problema muito
grave que é a selvageria no trânsito. Vemos carros e motos trafegando pelas
calçadas, fazendo conversões proibidas, invadindo semáforos, estacionando em
qualquer lugar, etc. Assim, para que tenhamos um convívio amigável entre
ciclistas, pedestres, motoqueiros e motoristas temos um grande trabalho a ser
feito, trabalho esse que não começamos ainda.
O prefeito
Paulo Garcia disse, em entrevista, que acredita no desestímulo ao uso do carro.
O senhor concorda? O que isso mudaria, em termos reais, na cidade e no
trânsito?
Para que isso ocorra temos que começar com a
melhoria do transporte coletivo, que hoje, exceto o Eixo Anhanguera, é feito de
uma maneira muito precária. Utilizamos um modelo de ônibus muito semelhante ao
que era utilizado no passado. Hoje, no mundo todo se utiliza veículos mais
confortáveis e maiores dos que os utilizados aqui. As pessoas não sabem como
utilizar os ônibus, nem sabemos se eles estão indo ou vindo, nos ônibus não tem
nenhuma informação por onde eles passam, para comprar um Sitpass é uma
dificuldade, coisas básicas para que as pessoas utilizem o ônibus. Em cidades
maiores como São Paulo, Rio e Curitiba, as pessoas mesclam o uso do carro com o
transporte coletivo. Aqui em Goiânia, é raro encontrar alguém que faça isso. Outra
coisa básica é a ordenação do estacionamento. Não é admissível que as pessoas
estacionem o dia todo na Praça Cívica, a parte mais nobre da cidade, estacionem
nas esquinas, e calçadas. Nas áreas mais movimentadas, em termos de comércio e
serviços, as pessoas só podem parar para curtos intervalos de tempo. O nosso
sistema de Zona Azul funciona muito precariamente e é o mesmo modelo desde os
anos 1970, sem qualquer evolução. Sem começar por aí, qualquer medida para
restringir o uso do carro vai ser um desastre para a cidade. Principalmente,
para a sua economia.
Por fim,
qual a sua expectativa, tendo em vista todas essas questões que discutimos?
Acredito em mudanças de comportamento. O melhor
exemplo é o fumo. Há poucos anos, se fumava em qualquer lugar, até nas salas de
aula, shoppings. etc. Hoje, isso foi banido dos nossos hábitos, assim podemos
mudar o nosso comportamento no trânsito. Mas, em Goiânia, em termos de
mobilidade urbana, estamos na idade da pedra. Nem calçadas adequadas temos para
caminhar e, infelizmente, não vejo ainda nenhum sinal de que estamos começando
a tentar evoluir.
Gostaria de
acrescentar algo mais?
A mobilidade urbana é essencial para que tenhamos
qualidade de vida, a mobilidade favorece a atividade econômica, favorece o
acesso a saúde, lazer, trabalho, permite a união das pessoas. É preciso que
todos tenhamos responsabilidade sobre ela. É preciso que a sociedade assuma seu
papel e cobre das autoridades medidas efetivas para melhora da mobilidade,
aumentando o conforto e a segurança das pessoas que vivem aqui.
Entrevista produzida em agosto de 2015 para o jornal Tribuna do Planalto
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